Parentalidade e Família ▸ Considerações gerais
Evolução Legislativa
As origens do instituto da parentalidade no direito português remontam aos anos 60 do século XX, assinalando-se uma primeira fase de evolução lenta, caracterizada por uma proteção limitada, e um período marcado por alargamentos sucessivos do rol de direitos atribuídos aos progenitores e adotantes em sede de proteção social e no âmbito das relações laborais, em especial, a partir da última década do século XX.
Esta tendência integra-se no quadro de um processo histórico mais amplo de reconhecimento de direitos sociais em matéria de proteção social e trabalho, acompanhando a transição do Estado Novo para o Estado social fundado no após o 25 de Abril.
Até à década de 1960, os regimes de segurança social existentes não faziam referência à parentalidade, que só vem a surgir regulada pela primeira vez no ordenamento jurídico com a aprovação da Lei n.º 2115 (18/6/1962), regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 45266 (23/9/1963).
Estes diplomas, e outros sobre diferentes matérias sociais que foram aprovados na mesma altura, davam expressão e integravam-se na vontade política de reformar e ampliar o primeiro regime de segurança social mais estruturado que havia sido fundado com a Lei n.º 1884 (16/3/1935) e que, tendo o mérito de constituir um passo inaugural no sentido da constituição de um sistema de previdência, apresentava diversas lacunas e insuficiências.
Foi, porém, no quadro dessa Lei n.º 1884 que, em 1943, se aprovou o Decreto-Lei n.º 32.688 (20/2), que instituiu o abono de família, na altura reservado aos funcionários do Estado civis e militares, tendo, logo nos anos seguintes, em 1944 e 1945, sido publicados os Decretos-Leis n.º 33.537 (21/2) e n.º 34.431 (6/3), que determinaram o alargamento do respetivo âmbito subjetivo de aplicação.
E foi também ainda antes de a parentalidade passar a fazer parte do sistema de proteção social, que, em 1954, foi aprovado o Decreto-Lei n.º 39.844 (7/10), que, reconhecendo a importância do abono de família no quadro das medidas de incentivo à família, reforçou os seus montantes e voltou a estender o respetivo universo de beneficiários.
O regime previsto neste diploma, sem prejuízo das alterações que ao longo dos anos lhe foram sendo introduzidas pelos Decretos-Leis n.º 41.523 (16/2/1958), n.º 45.671 (11/6/1958), n.º 48.021 (4/11/1967), n.º 61.7/71 (31/12), n.º 32.8/73 (3/7) e n.º 269/74 (21/6), iria manter-se em vigor até à década de 1970, quando, após a Revolução de Abril e a aprovação da nova Constituição, foi revogado e substituído por outro, mais garantístico e completo.
No que concerne à parentalidade em particular, a proteção conferida pela Lei n.º 2115 e Decreto-Lei n.º 45.266 era limitada, restringindo-se à eventualidade da maternidade (a paternidade não estava contemplada) e apenas mediante a concessão de assistência médica e medicamentosa e de um subsídio pecuniário, resultado de duas medidas distintas: a inclusão do parto no seguro de doença para efeito de assistência médica e a obrigação patronal de conceder licença remunerada por ocasião do parto às empregadas e assalariadas.
Neste âmbito, foram igualmente previstos, para além do abono de família, que já era atribuído antes desta nova regulamentação, um conjunto de outros apoios, nomeadamente subsídios de nascimento e aleitação.
No quadro mais geral em matéria familiar, foram aprovados os subsídios de casamento e funeral, sendo também de mencionar a introdução do regime da adoção no ordenamento jurídico português com a entrada em vigor do Código Civil de 1966, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47.344 (25/11).
A este respeito, vale a pena referir que, embora tenha sido posteriormente alterado pelos Decretos-Leis n.º 496/77 (25/11), n.º 185/93 (22/5), n.º 120/98 (8/5), e pelas Leis n.º 31/2003 (22/8) e n.º 143/2015 (8/9), o regime jurídico da adoção manteve no essencial as regras e o sentido originais.
Ainda antes da revolução democrática, foi publicado, em 1969, o Decreto-Lei n.º 49.408 (24/11), diploma que estabeleceu o novo regime jurídico do contrato individual de trabalho, do qual, sobre os temas da parentalidade e família, cabe destacar os direitos da mulher grávida e mãe (dispensas, adequação das tarefas e proibição do despedimento, por exemplo), bem como a previsão de faltas justificadas quando dadas para prestar assistência inadiável aos membros do agregado familiar, por altura do casamento ou em caso de falecimento de cônjuge, parente ou afim.
No quadro da democracia política e social da Constituição de 1976, é de salientar, no tema da família, a publicação do Decreto-Lei n.º 197/77 (17/5), que veio regulamentar, de forma integrada, o abono de família e prestações complementares dos trabalhadores da função pública e dos trabalhadores abrangidos pelas caixas de previdência e abono de família, nomeadamente os subsídios de casamento, nascimento, aleitação e funeral.
Em 1976, tinha sido aprovada a Lei n.º 874/76 (28/12), que definia o regime jurídico de férias, feriados e faltas no âmbito do contrato individual de trabalho, mantendo no fundamental o regime anterior, com a previsão de faltas justificadas quando dadas para prestar assistência inadiável aos membros do agregado familiar, por altura do casamento ou em caso de falecimento de cônjuge, parente ou afim.
No âmbito das prestações familiares, vale a pena destacar os Decretos-Leis n.º 160/80 (27/5) e n.º 170/80 (29/5), que vieram reforçar a proteção social nesta matéria, designadamente com a previsão da atribuição de diferentes prestações, como o abono de família, o subsídio de aleitação, o abono complementar a crianças e jovens deficientes, o subsídio por frequência de estabelecimentos de educação especial ou a pensão de orfandade.
Estes diplomas incluem-se, de resto, num processo mais vasto de revisão e valorização das prestações familiares em favor da infância e juventude e da família, que se acentuaria com a primeira Lei de Bases da Segurança Social, aprovada pela Lei n.º 28/84 (14/8).
Neste novo regime, a proteção da parentalidade e da família ganha uma relevância acrescida, iniciando-se uma nova fase na vida destes institutos, com um alargamento considerável dos direitos da parentalidade e família no quadro do sistema de proteção social, mas também no que respeita às relações laborais.
Destaca-se, desde logo, a Lei n.º 4/84 (5/4) e o Decreto-Lei n.º 154/88 (29/4), que estabelecem os princípios gerais nesta matéria, definindo e regulamentando a proteção na maternidade e paternidade, na adoção e na assistência a descendentes menores.
Estes diplomas previam ainda a atribuição de subsídios pelo sistema da Segurança Social para outras eventualidades familiares e um conjunto de direitos dos trabalhadores perante os empregadores neste âmbito, revelando a tendência reguladora da época de reforço da proteção da parentalidade e da família.
O Decreto-Lei n.º 322/90 (18/10) veio regulamentar a proteção na eventualidade da morte, revogando o anterior regime em vigor, estabelecendo que a proteção por morte é realizada mediante a atribuição das prestações pecuniárias denominadas pensões de sobrevivência, subsídio por morte e subsídio por assistência de terceira pessoa.
É importante também referir o Decreto-Lei n.º 133-B/97 (30/5), posteriormente revisto pelos Decretos-Leis n.º 341/99 (25/8) e n.º 250/2001 (21/9), que estabeleceu o novo regime jurídico das prestações familiares, introduzindo alterações significativas no regime anterior, nomeadamente a substituição do abono de família, dos subsídios de aleitação e nascimento, por um único apoio, o subsídio familiar a crianças e jovens.
Visando o apoio das famílias com membros do agregado a receber pensão de invalidez, de velhice ou de sobrevivência, estando numa situação de dependência, o Decreto-Lei n.º 265/99 (14/7) previu a criação de uma nova prestação para complemento da protecção já conferida nos termos gerais (complemento por dependência).
No âmbito da regulamentação sobre a família, foram ainda aprovados a Lei n.º 75/98 (19/11) e o Decreto-Lei n.º 164/99 (13/5), prevendo e regulando a garantia de alimentos devidos a menores.
No contexto das relações de trabalho, a Lei n.º 4/84 previa um conjunto de direitos ao nível da organização do trabalho na maternidade, como licenças e dispensas do trabalho, que viria a ser posteriormente alargado à paternidade pela Lei n.º 17/95 (9/6).
Outros diplomas, como a Lei n.º 18/98 (28/4), a Lei n.º 142/99 (31/8), o Decreto-Lei n.º 70/2000 (4/5) e o Decreto-Lei n.º 230/2000 (20/9), ampliaram a proteção da parentalidade, designadamente no que respeita ao aumento da duração dos prazos das licenças parentais e às especificidades em matéria de organização do trabalho.
Em 2000, foi aprovada a segunda Lei de Bases da Segurança Social (Lei n.º 17/2000, de 8/8), que, no entanto, foi revogada pouco tempo depois pela Lei n.º 32/2002 (20/12), com alterações que respeitaram, sobretudo, a mudanças de designação, sem que os objetivos e composição do sistema, bem como o universo pessoal e material das prestações, tivessem sofrido modificações de relevo, consignando, porém, a autonomização do subsistema de protecção familiar.
Entretanto, aprovou-se a Lei n.º 7/2001 (11/5), que aprovou medidas de proteção das uniões de facto em diferentes matérias, designadamente no que toca à casa de morada de família ou à eventualidade de morte.
O Decreto-Lei n.º 176/2003 (2/8) veio estabelecer e definir a proteção a atribuir no âmbito dos encargos familiares, reinstituindo o abono de família com essa designação, ao mesmo tempo que regulava ainda o subsídio de funeral.
Em 2007, a Lei n.º 4/2007 (16/1) estabeleceu as bases gerais do atual sistema de proteção social, que, no que respeita às matérias da parentalidade e família, representou um alargamento da proteção conferida.
O Decreto-Lei n.º 308-A/2007 (5/9) expressa esse impulso, prevendo a atribuição de um abono de família à mulher grávida durante o período pré-natal, após a 12.ª semana de gestação (abono pré-natal) e a majoração do abono de família para crianças e jovens em certas ocorrências familiares.
Por seu turno, o Decreto-Lei n.º 105/2008 (25/6) veio instituir medidas sociais de reforço da proteção social na maternidade, paternidade e adoção, prevendo a atribuição de subsídios sociais, que correspondiam a prestações pecuniárias destinadas a garantir rendimentos substitutivos da ausência ou da perda de remuneração de trabalho, em situações de carência económica (subsídio social de maternidade, de paternidade, por adoção e por riscos específicos).
Mas foi com o Decreto-Lei n.º 91/2009 (9/4) que se viria a constituir a base do atual regime de parentalidade, não apenas no sistema da proteção social, mas também no âmbito laboral.
O novo regime de proteção social tinha como prioridades o incentivo à natalidade e a igualdade de género, através do reforço dos direitos do pai e do incentivo à partilha da licença, destacando-se ainda o aumento do período da licença parental inicial e a equiparação do regime da adoção ao regime da proteção na parentalidade.
A regulamentação do Decreto-Lei n.º 91/2009 manteve, no essencial, a sua estrutura e orientação ao longo dos anos, não obstante as diversas alterações introduzidas pelos Decretos-Leis n.º 70/2010 (16/6) e n.º 133/2012 (27/6), a Lei n.º 120/2015 (1/9), o Decreto-Lei n.º 53/2018 (2/7) e a Lei n.º 90/2019 (4/9).
No plano laboral, a reforma do Código do Trabalho de 2009 (Lei n.º 7/2009, 12/2) acompanhou o sentido das alterações trazidas pelo Decreto Lei n.º 91/2009, sublinhando o valor da parentalidade e da família no âmbito das relações laborais, promovendo a igualdade entre progenitores e a compatibilização da vida profissional com a vida pessoal.
A este respeito, refira-se que o Código de Trabalho de 2009 deixou de usar os termos licenças de maternidade e de paternidade para prever simplesmente uma licença parental, alteração simbólica mas com impacto.
Em 2009, e como incentivo à família e promoção do ensino, tinha sido aprovado o Decreto-Lei n.º 201/2009 (28/8), que criou a bolsa de estudo para os titulares do abono de família matriculados e a frequentar o nível secundário da educação ou equivalente.
É ainda de referir a aprovação da Lei n.º 23/2010 (30/8), que alterou o regime das uniões de facto anterior, reforçando os direitos e garantias dos unidos de facto, bem como a Lei n.º 9/2010 (31/5), que veio permitir o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, introduzindo alterações ao Código Civil e reconhecendo a igualdade entre pessoas no que toca ao casamento civil, independentemente da sua orientação ou identidade sexual.
Cabe mencionar também a publicação da Lei n.º 15/2011 (3/5), que retirou as bolsas de estudo e de formação do cálculo para efeitos de verificação da condição de recursos, alteração importante no sentido do aperfeiçoamento do regime e da sua justeza.
Vale igualmente a pena aludir ao Decreto-Lei n.º 13/2013 (25/1), que introduziu alterações ao regime da proteção social na morte e na dependência, reforçando a proteção conferida com o aumento dos montantes e a facilitação do acesso às prestações.
A Lei n.º 120/2015, para além de importante no plano da proteção social, teve também repercussões no âmbito laboral, tendo introduzido alterações de relevo no regime da parentalidade do Código do Trabalho, nomeadamente a previsão da possibilidade de gozo simultâneo por ambos os progenitores da licença parental ou o aumento da duração da licença parental exclusiva do pai.
Foi também este diploma que estabeleceu a obrigatoriedade, que recai sobre o empregador, de afixar nas instalações da empresa toda a informação sobre legislação referente aos direitos da parentalidade.
Paralelamente, a Lei n.º 133/2015 (7/9) instituiu “um mecanismo para proteção das trabalhadoras grávidas, puérperas e lactantes”, impondo, por exemplo, que os tribunais comuniquem à CITE – Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego as sentenças transitadas em julgado que tenham condenado empresas por despedimento ilegal de grávidas, puérperas ou lactantes.
Esta condenação implica a impossibilidade de acesso a fundos públicos, estando as entidades que os atribuam obrigadas a consultar o registo da CITE – Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego no procedimento concursal, para garantir que empresas condenadas por terem despedido ilegalmente trabalhadoras grávidas, puérperas e lactantes não são beneficiadas por esses fundos.
Ainda sobre o regime da parentalidade no Código do Trabalho, cabe referir a Lei n.º 90/2019, que aumentou os períodos de licença e o leque de dispensas do trabalho previstas.
Já no que toca ao âmbito da proteção social na eventualidade de morte, deve mencionar-se por fim o Decreto-Lei n.º 79/2019 (14/6), que alterou o respetivo regime jurídico, alargando as situações em que é possível atribuir pensões provisórias de sobrevivência, permitindo maior celeridade e eficiência, ao mesmo tempo que se previu ainda a possibilidade de os descendentes com direito a pensão de sobrevivência poderem efetuar a prova escolar através da Segurança Social Direta, deixando de ser necessária a entrega de declaração do estabelecimento de ensino em papel.
Por fim, e no âmbito da parentalidade, vale a pena mencionar, em primeiro lugar, a publicação do Decreto Regulamentar n.º 3/2022 (19/8), que veio regular a atribuição de uma prestação complementar do abono de família para crianças e jovens designada por “garantia para a infância”, criada pela Lei n.º 12/2022 (27/6), que aprovou o Orçamento do Estado para 2022, e, em segundo, a Lei n.º 13/2023 (3/4), que concretizou a Agenda do Trabalho Digno, vindo introduzir diversas alterações ao Código do Trabalho em vigor, nomeadamente ao nível do reforço dos direitos de parentalidade e na conciliação da vida profissional com a vida familiar.
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