Contrato de trabalho ▸ Considerações gerais
Evolução Legislativa
O Código Civil de 1867 (aprovado por Carta de Lei de 1/7) é o diploma que inaugura a previsão legal da figura do contrato de trabalho subordinado, concedendo-lhe um tratamento e secção próprios, não obstante seguir uma lógica civilista típica de paridade entre contratantes, não reconhecendo a especificidade da relação de trabalho e o trabalhador enquanto a parte mais frágil dessa relação. Nesta medida, a regulamentação é limitada, não podendo, justa e apropriadamente, falar-se de um regime jurídico do contrato de trabalho.
No final do século XIX, e num contexto da afirmação no teatro social e político do movimento operário, as condições de trabalho tornam-se um tema central na sociedade, evidenciando-se a insuficiência da lei do contrato de trabalho e demais legislação laboral para responder a um conjunto diverso de questões que se colocam com o desenvolvimento da economia e dos modelos produtivos.
A limitação e regulação da duração do trabalho está entre as primeiras demandas dos trabalhadores e merece dos poderes públicos intervenção, assistindo-se na passagem para o século XX à multiplicação de diplomas avulsos sobre esta matéria em diversos setores da atividade económica, com a fixação dos períodos normais de trabalho em oito horas diárias (sete horas em algumas atividades) e a previsão de períodos de descanso.
O Decreto n.º 5516 (7/5/1919) – posteriormente regulamentado pelo Decreto n.º 10.782 (20/5/1925) – consolidou esta tendência, estabelecendo os limites máximos do período de trabalho para a generalidade do comércio e indústria.
Depois, já no quadro da Constituição de 1933 e do Estatuto do Trabalho Nacional, diploma estruturante do Estado corporativo, aprovado em 23 de setembro de 1933 pelo Decreto-Lei n.º 23.048, foi publicado em 1934, no que toca à organização do tempo de trabalho, o Decreto-Lei n.º 24.402 (24/8), que promulgou o horário de trabalho nos estabelecimentos comerciais e industriais.
A par deste Decreto-Lei n.º 24.402 foram aprovados outros diplomas em concretização do Estatuto do Trabalho Nacional, com a regulamentação de diversas matérias laborais, destacando-se, desde logo, o Decreto-Lei n.º 23.870 (18/5/1934), prevendo a punição da greve e do lock-out, a Lei n.º 1942 (27/7/1936), com o regime dos acidentes de trabalho e doenças profissionais, o Decreto-Lei n.º 36.173 (6/3/1947), estabelecendo o regime jurídico da contratação coletiva, e, mais relevante, a Lei n.º 1952 (10/3/1937), que definiu de uma forma mais sistemática e desenvolvida as bases a que devia obedecer o contrato individual de trabalho.
Esta Lei n.º 1952 veio substituir o regime legal do contrato de trabalho previsto no Código Civil de 1867, que se mantivera sem alterações até essa altura, estabelecendo uma inovadora noção de contrato de trabalho (“toda a convenção por força da qual uma pessoa se obriga, mediante remuneração, a prestar a outra a sua atividade profissional, ficando, no exercício desta, sob as ordens, direção ou fiscalização da pessoa servida”).
O regime jurídico do contrato de trabalho estabelecido pela Lei n.º 1952 previa ainda um conjunto de aspetos essenciais da relação laboral e do contrato de trabalho, instituindo para a generalidade das relações de trabalho regras sobre retribuição e férias e, em especial, a respeito da cessação do contrato de trabalho.
Depois, em 1966, foi aprovada uma nova regulamentação jurídica do contrato individual de trabalho pelo Decreto-Lei n.º 47.032 (27/5), que veio revogar o regime anteriormente em vigor (Lei n.º 1952), e que, desde logo, fixava a obrigatoriedade de revisão das suas disposições até ao final do ano de 1968.
O Decreto-Lei n.º 47.032 apresentou-se como uma reforma profunda do regime laboral anterior, trazendo diversas inovações à lei do contrato de trabalho, nomeadamente em matéria de deveres e garantias das partes, da cessação do contrato de trabalho, da retribuição ou da interrupção da atividade, incluindo férias, feriados e faltas.
Este diploma, aderindo, nos termos gerais, à noção de contrato de trabalho constante da Lei n.º 1952 (“contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direção desta”), correspondeu ao primeiro esforço de criação de um regime de contrato de trabalho sistematizado e compreensivo, sendo de destacar, por exemplo, a previsão de regras detalhadas sobre o período experimental ou acerca da mobilidade funcional ou geográfica do trabalhador.
Porém, deve também sublinhar-se, em sentido contrário, a ausência de regulamentação clara e completa sobre aspetos fundamentais da relação laboral, como o tempo e local de trabalho, que não mereceram no Decreto-Lei n.º 47.032 tratamento autónomo e destaque conceptual.
Meses depois do Decreto-Lei n.º 47.032 ter sido publicado, a entrada em vigor do novo Código Civil, através do Decreto-Lei n.º 47.344 (25/11/1966), não trouxe consequências para a regulamentação da matéria do contrato de trabalho, tendo-se limitado o novo código a apresentar a noção de contrato de trabalho, remetendo, no mais, para legislação especial.
Por sua vez, e com atraso em relação à obrigação legalmente prevista de rever o normativo instituído pelo Decreto-Lei n.º 47.032, foi publicado no final de 1969 o Decreto-Lei n.º 49.408 (24/11), que fixou o novo regime jurídico do contrato individual de trabalho. Trazendo alterações pontuais, no essencial, este Decreto-Lei n.º 49.408 acolheu a regulamentação anterior.
Embora a arquitetura e sistematização fundadas pelo Decreto-Lei n.º 47.032 se tivessem mantido praticamente inalteradas, o Decreto-Lei n.º 49.408 introduziu um conjunto de alterações em matéria de retribuição ou férias, destinadas sobretudo ao esclarecimento de questões legais que vinham suscitando dúvidas de interpretação e aplicação.
No quadro desta última lei reguladora do contrato de trabalho, foi publicado o Decreto-Lei n.º 409/71 (27/9), que veio estabelecer o novo regime jurídico da duração do trabalho, revendo a regulamentação anterior (nomeadamente o Decreto-Lei n.º 24.402), e que procurava, com as modificações implementadas, compatibilizar a proteção da saúde e segurança dos trabalhadores com a promoção do desenvolvimento da atividade económica das empresas.
No que toca ao trabalho por turnos, o Decreto-Lei n.º 409/71 prescrevia um conjunto de regras que visavam garantir a sujeição dos trabalhadores por turnos aos limites dos períodos normais de trabalho e que os turnos deviam, na medida do possível, ser organizados de acordo com os interesses e as preferências manifestadas pelos trabalhadores, estabelecendo-se, ainda, quanto ao trabalho extraordinário (hoje dito trabalho suplementar), limites máximos de horas que podiam ser prestadas nessa modalidade.
Este Decreto-Lei n.º 409/71 destacou-se ainda por ter inaugurado um conceito legal de trabalho noturno, tendo mesmo previsto uma contrapartida remuneratória específica em virtude da maior penosidade do trabalho prestado à noite.
Por outro lado, introduziram-se, através deste diploma, alterações ao regime da organização e duração do tempo de trabalho que estava em vigor, no sentido de simplificar o recurso à isenção de horário e ao trabalho extraordinário, garantindo uma maior liberdade de gestão às empresas.
Ainda em 1971, é de referir o Decreto-Lei n.º 360/71 (21/8), que veio aprovar um novo regime de acidentes de trabalho e doenças profissionais.
A Revolução de Abril de 1974 assinala uma transformação profunda da sociedade portuguesa e do quadro legal do regime anterior, o que vai ter expressão também no âmbito das relações laborais e do direito do trabalho.
Vale a pena a este respeito aludir ao Decreto-Lei n.º 203/74 (15/5), que, definindo o programa do Governo Provisório, previu em termos genéricos diversas medidas legislativas de âmbito laboral, de que é exemplo a revogação do Estatuto do Trabalho Nacional, a previsão de garantias de liberdade sindical ou o estabelecimento de novos mecanismos de resolução de conflitos coletivos de trabalho.
O Decreto-Lei n.º 217/74 (27/5) instituiu um salário mínimo nacional e, no que concerne à cessação do contrato por iniciativa do empregador, o Decreto-Lei n.º 783/74 (31/12) veio definir as normas relativas aos despedimentos coletivos, segundo uma ideia de “estabilidade de emprego indispensável à prossecução de uma válida política de aumento progressivo da qualidade de vida dos trabalhadores portugueses”.
No ano seguinte, o Decreto-Lei n.º 292/75 (16/6) estabelecia, com entrada em vigor imediata, um conjunto de direitos para os trabalhadores em matéria salarial, com aumentos dos montantes de referência, no que respeita a férias e feriados e sobre cessação do contrato de trabalho.
Por seu turno, o Decreto-Lei n.º 372-A/75 (16/7) regulou o novo regime jurídico dos despedimentos (ressalvando apenas as normas sobre despedimento coletivo), consagrando, de forma determinante e decisiva, o princípio geral da proibição dos despedimentos sem justa causa.
A propósito dos feriados, são de destacar os Decretos-Leis n.º 713-A/75 (19/12) e n.º 274-A/76 (12/4), que uniformizaram o respetivo número.
Foi, então, neste quadro, que a Constituição, que entraria em vigor em abril de 1976, instituiu um conjunto de direitos fundamentais em matéria laboral, de dimensão coletiva e individual, da segurança no emprego à greve, passando pela liberdade sindical e as condições de trabalho.
Mantendo a tendência legislativa da época, no final desse ano, o Decreto-Lei n.º 841-C/76 (7/12), ratificado com emendas pela Lei n.º 48/77 (11/7), veio introduzir alterações ao regime da cessação do contrato de trabalho, proclamando expressamente a proibição dos despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos e o despedimento disciplinar como o único admitido pela lei, não se registando, para além desta proclamação, outras modificações de fundo.
Por seu turno, e de implicações relevantes no âmbito da execução do contrato de trabalho, o Decreto-Lei n.º 874/76 (28/12) estabeleceu o regime jurídico de férias, feriados e faltas, operando a unificação num único instrumento legal da regulamentação destas matérias (que se encontrava dispersa por vários diplomas), com aumento dos valores de referência.
Antes, em outubro de 1976, tinha sido aprovado o Decreto-Lei n.º 781/76 (28/10), que veio regulamentar os contratos de trabalho a prazo, uma matéria que se encontrava insuficientemente tratada, com situações a carecerem de tutela legal expressa, nomeadamente em termos de prazo e procedimento.
Neste contexto, é ainda de mencionar a Lei n.º 65/77 (26/8), que veio prever o direito à greve, e o Decreto-Lei n.º 440/79 (6/11), a respeito do tema da retribuição, que procedeu à atualização dos valores das remunerações mínimas nacionais referentes aos setores de indústria e serviços, trabalho rural e serviços domésticos.
Já sobre o trabalho extraordinário, foi aprovado o Decreto-Lei n.º 421/83 (2/12), que reviu o regime do Decreto-Lei n.º 409/71, restringindo o recurso a esta modalidade e fixando os respetivos limites anuais de horas.
A propósito do tema da cessação do contrato de trabalho, e no final dos anos 80, é de referir o Decreto-Lei n.º 64-A/89 (27/2), que regulou a cessação do contrato individual de trabalho (incluindo as condições de celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo), introduzindo maior flexibilização, tendência reforçada pela publicação do Decreto-Lei n.º 400/91 (16/10), que inovou com a criação de uma nova modalidade de despedimento (despedimento por inadaptação).
Neste período, cabe também referir o Decreto-Lei n.º 358/89 (17/10), que veio regular o exercício da atividade das empresas de trabalho temporário, as suas relações contratuais com os trabalhadores temporários e com os utilizadores, bem como o regime de cedência ocasional de trabalhadores.
Importa igualmente mencionar o Decreto-Lei n.º 404/91 (16/10), que estabeleceu o regime jurídico do trabalho em comissão de serviço.
Noutro plano, o Decreto-Lei n.º 88/96 (3/7) marcou a generalização por via legislativa do subsídio de Natal nas relações de trabalho por conta de outrem, sendo certo que à época a maior parte das convenções coletivas já previa o pagamento desta prestação.
Com especial relevância para o regime do contrato de trabalho, deve, no final do século XX, destacar-se a Lei n.º 73/98 (10/11), que veio regular a matéria da organização do tempo de trabalho, com a definição do sentido dos conceitos essenciais nesta matéria e o reforço dos limites a certas formas de prestação laboral.
No ano seguinte, em 1999, foi aprovada a Lei n.º 103/99 (26/7), que definiu o regime jurídico do trabalho a tempo parcial, estabelecendo incentivos à sua dinamização.
Em 2003, verifica-se entrada em vigor da primeira codificação laboral (Código do Trabalho), aprovada pela Lei n.º 99/2003 (27/8), que revogou os diplomas que tratavam de forma dispersa diferentes matérias laborais, designadamente os relativos a férias, faltas, organização tempo de trabalho, acidentes de trabalho, trabalho temporário e a termo ou contratação coletiva.
Para além de alterações formais, o novo Código do Trabalho manteve a tendência vinda dos anos 90, de flexibilização da relação laboral (sobretudo nos domínios da mobilidade funcional e geográfica e também da organização dos tempos de trabalho), salientando-se igualmente as modificações no regime da contratação coletiva, nomeadamente pela introdução da figura da caducidade das convenções coletivas e enfraquecimento do princípio do tratamento mais favorável.
O Código do Trabalho de 2003 viria a sofrer uma revisão global com a publicação da Lei n.º 7/2009 (12/2), que aprovou o Código do Trabalho de 2009. O novo regime, alterando sobretudo questões de forma e organização sistemática, trouxe, porém, algumas novidades que merecem relevo.
Desde logo, a redefinição da noção de contrato de trabalho, substituindo-se a antiga expressão constante do Código do Trabalho “sob a autoridade e direção” pela expressão atualmente vigente “no âmbito de organização e sob a autoridade”. Relacionada com esta alteração, no sentido de reconduzir a relações laborais um conjunto de realidades informais ou formalmente divergentes, vale a pena destacar as modificações da “presunção de laboralidade” e no que respeita às situações equiparadas à de trabalho subordinado.
No que toca à matéria da cessação do contrato, é de salientar a aprovação no contexto da Troika das Leis n.º 53/2011 (14/10), n.º 23/2012 (25/6) e n.º 69/2013 (30/8), que vieram flexibilizar o regime dos despedimentos por causas objetivas, nomeadamente pela eliminação de critérios de racionalidade que se exigiam ao empregador na decisão de despedir e também pela redução dos montantes compensatórios devidos pelo término do contrato. Algumas das alterações ao Código do Trabalho introduzidas por estes diplomas viriam, no entanto, a ser revogadas por decisão do Tribunal Constitucional.
Mais recentemente, no âmbito da Agenda do Trabalho Digno, foi publicada a Lei n.º 13/2023 (3/4), diploma que veio introduzir diversas alterações ao Código do Trabalho em vigor, nomeadamente ao nível do combate à precariedade, aqui se destacando a regulamentação no Código do Trabalho da atividade prestada no quadro das plataformas digitais e no alargamento de um conjunto de direitos de natureza laboral a situações equiparadas à relação de trabalho, como é o caso dos “trabalhadores independentes mas economicamente dependentes”.
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