Contrato de trabalho ▸ Elementos típicos da prestação de trabalho

Distinção entre contrato de trabalho e prestação de serviços

 [arts. 10.º a 12.º-A do Código do Trabalho, arts. 1152.º a 1156.º do Código Civil]

 

Código do Trabalho (CT) define o contrato de trabalho como “aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas”.

Esta definição de contrato de trabalho tem sido reconduzida à noção de que se trata de um negócio jurídico através do qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas.

O contrato de trabalho tem como objeto a prestação de uma atividade e, como elemento típico distintivo, a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder do empregador de conformar, através de ordens, diretivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou.

Por seu turno, o contrato de prestação de serviços é “aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição”.

Prima facie, ressaltam duas diferenças fundamentais: (i) na prestação de serviços existe uma obrigação de resultado, sendo totalmente indiferente ao credor da prestação o modus faciendi, ao passo que, no contrato de trabalho, o trabalhador obriga-se a prestar a sua atividade laboral, durante um período de tempo, sob a orientação e fiscalização de uma entidade patronal; (ii) na prestação de serviços, o prestador obriga-se à obtenção daquele resultado, com autonomia e sem subordinação ao poder de direção da outra parte.

A subordinação jurídica traduz-se na possibilidade de a entidade patronal orientar, fiscalizar e dirigir a atividade laboral desempenhada e/ou dar instruções ao trabalhador e constitui o elemento essencial do contrato de trabalho. Assim, é ao empregador que cabe o exercício dos poderes determinativo da função e conformativo da prestação de trabalho, isto é, o poder de afetar em concreto a força de trabalho do trabalhador, atribuindo-lhe uma função na sua organização ou determinando-lhe tarefas concretas; característica principal e elemento diferenciador do contrato de trabalho, implica uma posição de supremacia do empregador e a correlativa posição de sujeição do trabalhador, cuja atividade está necessariamente dependente das ordens, regras ou orientações ditadas por aquele, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem.

A subordinação apenas exige, no entanto, a mera possibilidade de ordens e direção e pode até não transparecer em cada momento da prática de certa relação de trabalho, havendo muitas vezes a aparência da autonomia do trabalhador que não recebe ordens diretas e sistemáticas do empregador, o que sucede maioritariamente em atividades cuja natureza implica a salvaguarda da autonomia técnica e científica do trabalhador.

Como ensina Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, 10.ª edição, Coimbra: Almedina, 1998, pág. 121), a subordinação jurídica consiste numa “relação de dependência necessária da conduta pessoal do trabalhador na execução do contrato face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do mesmo contrato e das normas que o regem.

Na senda deste entendimento, a propósito do Código do Trabalho, Albino Mendes Baptista esclarece que “existem diferentes graus de subordinação (…) há formas de trabalho subordinado em que a prestação é efetuada com grande autonomia, em que não existem propriamente ordens específicas, mais ou menos genéricas, mas um quadro potencial da sua presença. (…) Ora, o intérprete, maxime o julgador, tem de estar atento à crescente complexidade das relações de trabalho, nomeadamente não perdendo nunca de vista a existência de formas aparentes de autonomia. (Qualificação Contratual e Presunção de Laboralidade, Estudos sobre o Código do Trabalho, Coimbra: Coimbra Editora, 2004, pág. 60).

Não raras vezes, a determinação da existência de subordinação jurídica e dos seus contornos consegue-se mediante a análise da situação de facto, através de um método de aproximação tipológica, tornando-se, assim, necessário proceder à análise da relação entre as partes durante a execução do contrato, recolhendo indícios que permitam aferir tratar-se de elementos do modelo típico do trabalho subordinado.

Nesta medida, a legislação do trabalho estabelece um conjunto de indícios, não cumulativos, que constituem uma presunção de existência de contrato de trabalho:

  1. A atividade realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado.
  2. Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da atividade.
  3. Horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da atividade.
  4. Pagamento, com determinada periodicidade, de quantia certa ao prestador de atividade, como contrapartida.
  5. O desempenho de funções de direção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.

 

O Código do Trabalho estabelece, igualmente, um conjunto de indícios para as situações de atividade desenvolvida no âmbito de plataformas digitais, que, a verificarem-se, permitem presumir a existência de um contrato de trabalho:

  1. A plataforma digital fixa a retribuição para o trabalho efetuado na plataforma ou estabelece limites máximos e mínimos para aquela;
  2. A plataforma digital exerce o poder de direção e determina regras específicas, nomeadamente quanto à forma de apresentação do prestador de atividade, à sua conduta perante o utilizador do serviço ou à prestação da atividade;
  3. A plataforma digital controla e supervisiona a prestação da atividade, incluindo em tempo real, ou verifica a qualidade da atividade prestada, nomeadamente através de meios eletrónicos ou de gestão algorítmica;
  4. A plataforma digital restringe a autonomia do prestador de atividade quanto à organização do trabalho, especialmente quanto à escolha do horário de trabalho ou dos períodos de ausência, à possibilidade de aceitar ou recusar tarefas, à utilização de subcontratados ou substitutos, através da aplicação de sanções, à escolha dos clientes ou de prestar atividade a terceiros via plataforma;
  5. A plataforma digital exerce poderes laborais sobre o prestador de atividade, nomeadamente o poder disciplinar, incluindo a exclusão de futuras atividades na plataforma através de desativação da conta;
  6. Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencem à plataforma digital ou são por estes explorados através de contrato de locação.

 

Não obstante o esforço do legislador, acompanhado pela jurisprudência e doutrina, de sistematização e clarificação das características essenciais da relação laboral no mundo do trabalho contemporâneo, as novas realidades neste quadro constituem desafios à aplicação da lei, pondo, desde logo, em causa a distinção entre o contrato de trabalho e a prestação de serviços, com o critério decisivo da subordinação jurídica a ser objeto de reponderação e reformulação dos seus termos.

Neste contexto, as modalidades de prestação de atividade por conta de outrem não qualificáveis como relação de trabalho típica, como sucede com os “trabalhadores independentes mas economicamente dependentes”, foram alvo de regulamentação, no âmbito das alterações introduzidas pela Agenda do Trabalho Digno, no sentido de se prever a aplicação de um conjunto de direitos tipicamente laborais a “situações equiparadas”, como acontece com as normas do Código do Trabalho respeitantes a direitos de personalidade, igualdade e não discriminação e segurança e saúde no trabalho, bem como os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho negociais.

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