Incapacidade e doença ▸ Considerações gerais
Evolução Legislativa
Na sequência do dinamismo do movimento operário e da afirmação de mais amplos valores sociais, surgem, nos finais do século XIX, as primeiras experiências relativas a mecanismos de proteção social, nomeadamente nas eventualidades de doença natural e invalidez.
Inicialmente de origem associativa e mutualista, é já na segunda década do século XX que se assiste à tentativa de lançamento de um sistema de seguros sociais obrigatórios, destinados a abranger os trabalhadores por conta de outrem com baixos salários.
Em 24 de julho de 1913 foi publicada a Lei n.º 83 (24/7/1913), que previu pela primeira vez um sistema de reparação em caso de acidente de trabalho, consagrando a responsabilidade da entidade patronal pelo direito do trabalhador sinistrado a assistência clínica, medicamentos e indemnização.
Posteriormente regulamentada pelos Decretos n.º 182 (18/10/1913) e n.º 183 (24/10/1913), a Lei n.º 83 não se referia à eventualidade das doenças profissionais e sua reparação.
Até à aprovação destes diplomas, a figura dos acidentes de trabalho não apresentava qualquer autonomia relativamente ao regime comum da responsabilidade extracontratual, conforme resulta do Código Civil de 1867 e dos Decretos de 6 e de 14 de abril de 1891, de 6 de julho de 1895 e de 28 de outubro de 1909, estes últimos sobre higiene e segurança dos operários na construção civil e estabelecimentos industriais.
Com efeito, foi só com a Lei n.º 83 e o Decreto n.º 4288 (22/5/1918), que a regulamentou, que, no que toca à eventualidade de acidentes de trabalho, se instituiu um regime específico de responsabilidade civil pelo risco.
Nesta fase inicial, importa ainda mencionar a criação em 1916 pela Lei n.º 494 (16/3) de um serviço de higiene, salubridade e segurança dos locais de trabalho no âmbito da intervenção do Ministério do Trabalho e Previdência Social.
No que concerne às situações de doença natural e invalidez, foi, em 1919, projetada a instituição de um sistema de seguros sociais obrigatórios que englobava, entre outras, a proteção nessas eventualidades, o qual, porém, em virtude da instabilidade política que marcou a época, não chegou a concretizar-se.
Ainda assim, no âmbito particular da reparação em caso de acidente de trabalho, foi publicado o Decreto n.º 5637 (10/5/1919), que aprofundando o disposto na Lei n.º 83 e alargando a proteção por ela conferida (nomeadamente no que toca às situações consideradas como acidente de trabalho, por exemplo), previu um seguro social obrigatório e tribunais especializados em desastres de trabalho.
Neste Decreto n.º 5637 previu-se ainda, pela primeira vez, a cobertura das situações relacionadas com doenças profissionais, com um tratamento semelhante ao previsto para os acidentes de trabalho.
Foi já no quadro do coorporativismo do Estado Novo e da Constituição de 1933 que se criou o primeiro sistema de previdência social mais estruturado, através da Lei n.º 1884 (16/3/1935) e respetiva regulamentação, estando este sistema inicialmente limitado às situações de doença natural, invalidez, velhice e morte, cabendo a responsabilidade pela assistência às Caixas de Sindicais de Previdência.
Estavam abrangidos por este sistema de previdência inaugural os trabalhadores por conta de outrem, do comércio, indústria e serviços, ficando os trabalhadores do setor agrícola e do setor das pescas enquadrados em sistemas de proteção social específica que eram geridos pelas casas do povo e casas dos pescadores.
Em 1936, foi aprovada a Lei n.º 1942 (27/7), que veio introduzir alterações ao regime anterior dos acidentes de trabalho, prevendo uma noção de acidente mais abrangente, ao mesmo tempo que redefiniu entidades responsáveis e estabeleceu regras respeitantes a condições de segurança, destacando-se nesta reformulação a distinção entre o incumprimento imputável ao sinistrado e o imputável ao empregador.
Esta Lei n.º 1942, para além do que definia sobre os acidentes de trabalho, tratava ainda das doenças profissionais de modo complementar, regulamentando de forma mais detalhada a assistência no âmbito desse eventualidade.
Para os trabalhadores da Administração Pública, foi aprovado em 1951, e no que toca aos acidentes de trabalho (designados acidentes de serviço) e doenças profissionais, o Decreto-Lei n.º 38.523 (23/11), cujo regime, contudo, se aproximava significativamente da regulamentação no direito privado.
A insuficiência do âmbito de proteção do regime de segurança social fundado com a Lei n.º 1884 está na base da reforma empreendida em 1962, com a aprovação da Lei n.º 2115 (18/6) e respetiva regulamentação, designadamente o Decreto-Lei n.º 45.266 (23/9/1963).
Em matéria de incapacidades, verificou-se um alargamento, ainda que limitado, da proteção conferida nas eventualidade de doença natural e invalidez, destacando-se, entre outras alterações significativas, a criação da Caixa Nacional de Pensões para a eventualidade de invalidez e da Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais, esta última resultado da progressiva integração do risco de doenças profissionais no sistema de previdência social.
No que concerne aos acidentes de trabalho, é de referir a Lei n.º 2127 (3/8/1965), regulamentada pelo Decreto n.º 360/71 (21/8), que integrou na noção de acidente de trabalho o acidente in itinere (acidente ocorrido no caminho para o local de trabalho ou regresso deste), estabelecendo ainda a obrigação de as entidades patronais transferirem a sua responsabilidade por acidentes de trabalho mediante a celebração de contratos de seguro.
Em 1981, e já num quadro geral de reorganização do sistema de previdência social, foi publicado o Decreto-Lei n.º 227/81 (18/7), consolidando a integração da responsabilidade pela reparação das doenças profissionais no sistema da segurança social.
A primeira Lei de Bases da Segurança Social foi aprovada em 1984 (Lei n.º 28/84, de 14/8), cumprindo os imperativos constitucionais do estado social após o 25 de Abril, de garantia da proteção dos trabalhadores e das suas famílias nas situações de falta ou diminuição de capacidade para o trabalho.
Sobre a regulamentação da proteção na situação de doença natural no quadro fixado pela Lei n.º 28/84, refere-se o Decreto-Lei n.º 132/88 (20/4), que operou uma reformulação global do regime anterior, mediante a qual se visou um aperfeiçoamento e harmonização dos instrumentos legais e a racionalização dos meios disponíveis.
Ainda neste tema, salienta-se a publicação dos Decretos-Leis n.º 216/98 (16/7), n.º 92/2000 (19/5) e n.º 327/2000 (22/9), cujos normativos estabeleceram regras de prioridade e de tratamento mais favorável em casos específicos de doença que, pela sua gravidade e evolução, dão origem a situações extremamente invalidantes, requerendo diferentes regras na concessão das prestações, designadamente as relativas a prazos de garantia, taxas de formação de pensões e outros fatores relevantes na determinação do montante das prestações.
Destaca-se igualmente a publicação do Decreto-Lei n.° 329/93 (25/9), com o reforço das prestações sociais e alterações de regime que procuraram tornar o sistema mais coerente e equitativo, diploma que foi depois complementado pelos Decretos-Leis n.º 9/99 (8/1) e n.º 437/99 (29/10), que prosseguiram no sentido de alargar a proteção conferida.
Já antes, em 1989, havia sido publicado o Decreto-Lei n.º 29/89 (23/1), que havia instituído o subsídio por assistência de terceira pessoa a deficientes titulares de outras prestações.
Neste âmbito, previu-se alguns anos depois um complemento por dependência, pelo Decreto-Lei n.º 265/99 (14/7), “uma nova prestação destinada a complementar a proteção concedida aos pensionistas de invalidez, velhice e sobrevivência dos regimes de segurança social em situação de dependência”.
Com base no disposto no n.º 3 do artigo 63.º da Constituição de 1976, onde se pode ler que “o sistema de segurança social protege os cidadãos na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho”, a Lei de Bases de 1984 chegou a prever a integração do regime da reparação de danos emergentes de acidentes de trabalho no sistema de proteção da segurança social, o que, porém, e ao contrário do que sucedera com as doenças profissionais, não viria a ter concretização.
Efetivamente, a matéria dos infortúnios laborais foi-se mantendo à margem do sistema de segurança social, o que não se alterou com a aprovação da Lei n.º 100/97 (13/9) e respetiva regulamentação (Decreto-Lei n.º 143/99, de 30/4).
Estes diplomas, aliás, não alteraram substancialmente o regime anterior, apesar de se verificarem algumas inovações garantísticas, com a extensão do conceito de acidente in itinere, regras sobre o contrato de seguro de acidentes de trabalho e o reconhecimento de direitos nesta sede aos unidos de facto.
Sobre as patologias potencialmente emergentes do exercício de atividade profissional, destaca-se a publicação do Decreto-Lei n.º 441/91 (14/11), que veio estabelecer o regime jurídico do enquadramento da segurança, higiene e saúde no trabalho.
Ainda no contexto da primeira Lei de Bases, foi criado o sistema de verificação de incapacidades temporárias para o trabalho (SVIT) nos centros regionais da Segurança Social, nos termos do estabelecido no Decreto-Lei n.º 236/92 (27/10), alterado em 1997 para sistema de verificação de incapacidades (SVI) pelo Decreto-Lei n.º 360/97 (17/12).
Em 2000, é aprovada a segunda Lei de Bases da Segurança Social (Lei n.º 17/2000, de 8/8), que, no entanto, foi revogada pouco tempo depois pela Lei n.º 32/2002 (20/12), com alterações que respeitaram, sobretudo, a mudanças de designação, sem que os objetivos e composição do sistema, bem como o universo pessoal e material das prestações, tivessem sofrido modificações de relevo.
Neste período, é de referir a criação do complemento extraordinário de solidariedade pelo Decreto-Lei n.º 208/2001 (27/7), uma medida com impacto no reforço da proteção social na invalidez.
Menciona-se igualmente o Decreto-Lei n.º 35/2002 (19/2), que veio definir novas regras de cálculo para as pensões de invalidez a atribuir pelo sistema de solidariedade e segurança social.
Em 2004, o regime jurídico de proteção social na eventualidade de doença natural foi reformulado pelos Decretos-Leis n.º 28/2004 (4/2) e n.º 146/2005 (26/8), destacando-se a introdução de melhorias significativas ao nível de proteção das doenças de longa duração com a flexibilização de prazos de garantia e de percentagens de cálculo.
Importa, por outro lado, aludir à Lei n.º 38/2004 (18/8), que definiu as bases gerais do regime jurídico da prevenção, habilitação, reabilitação e participação da pessoa com deficiência, tendo como objetivos a realização de uma política nesta matéria global, integrada e transversal.
Em 2007, a Lei n.º 4/2007 (16/1) estabeleceu as bases gerais do atual sistema de proteção social, da qual se destaca o objetivo de reforma da Segurança Social com o pretexto de assegurar a sua sustentabilidade num quadro de evolução da esperança de vida e envelhecimento populacional, que, em todo o caso, no que respeita à matéria das incapacidades, apontava a uma proteção reforçada.
A respeito da situação de doença natural, o regime instituído pelos Decretos-Leis n.º 28/2004 e n.º 146/2005 foi entretanto revisto pelos Decretos-Leis n.º 302/2009 (22/10), n.º 133/2012 (27/6) e n.º 53/2018 (2/7), embora, porém, sem que tenham sido introduzidas alterações significativas.
No que toca à invalidez, salienta-se a publicação do Decreto-Lei n.º 187/2007 (16/1), diploma que aprovou o regime de proteção na eventualidade de invalidez dos beneficiários do regime geral de segurança social, destacando-se o tratamento dado às situações de invalidez absoluta, que passaram a ter um tratamento específico próprio, bem como a previsão de medidas de ativação dos pensionistas de invalidez, que visaram a reinserção profissional destes beneficiários no mercado de trabalho, valorizando e incentivando as suas capacidades remanescentes.
O regime do Decreto-Lei n.º 187/2007 manteve-se sem alterações substanciais, não obstante ter sofrido alterações pontuais introduzidas ao longo dos anos pelos Decretos-Leis n.º 167-E/2013 (31/12), n.º 79/2019 (14/6) e n.º 16-A/2021 (25/2).
A Lei n.º 90/2009 (31/8), posteriormente revista pelo Decreto-Lei n.º 246/2015 (20/10), estabeleceu o regime especial de proteção na invalidez para pessoas que sofrem de diversas doenças incapacitantes, procurando, dessa forma, adequar a proteção social às condições particulares de graves situações de incapacidade.
Também em 2009, foi aprovado o Decreto-Lei n.º 93/2009 (16/4), que instituiu o sistema de atribuição de produtos de apoio a pessoas com deficiência e a pessoas com incapacidade temporária, agregando um conjunto de apoios já existentes com outros recém-criados, visando uma maior operacionalidade e eficiência do sistema.
Este diploma viria entretanto a ser revisto pela Lei n.º 71/2018 (31/12) e pelo Decreto-Lei n.º 2/2020 (31/3), no sentido do reforço da capacidade de resposta do sistema de atribuição de produtos de apoio.
É ainda de recordar o Decreto-Lei n.º 126-A/2017 (6/10), que instituiu uma nova prestação social para a inclusão, que veio agregar um conjunto de prestações antes dispersas, garantindo, de forma inovadora, a possibilidade de acesso a esta medida por pessoas com deficiência independentemente da sua situação laboral, tendo o exercício de uma atividade profissional deixado de constituir um impedimento ao acesso à prestação.
No que toca aos acidentes de trabalho e doenças profissionais, a Lei n.º 100/97 manteve-se em vigor até à aprovação da Lei n.º 98/2009 (4/9), que salvaguardou o essencial do regime anterior.
Embora o Código do Trabalho de 2003 se referisse ao regime aplicável aos acidentes de trabalho e doenças profissionais nos arts. 281.º e seguintes, estas normas não chegariam, contudo, a entrar em vigor, uma vez que a sua aplicação dependia da respetiva regulamentação, que nunca chegou a ser publicada.
Esta situação só viria a alterar-se com a profunda reforma ao Código de Trabalho introduzida pela Lei n.º 7/2009 (12/2), a partir da qual a matéria dos acidentes de trabalho e doenças profissionais passou definitivamente a ser tratada em regulamentação especial.
A nova lei dos acidentes de trabalho (Lei n.º 98/2009, de 4/9) foi aprovada num curto prazo, tendo mantido o regime antes vigente sem alterações de maior.
Foi igualmente no âmbito da remissão do Código do Trabalho que foi aprovada e publicada a Lei n.º 102/2009 (10/9), definindo o novo regime jurídico da promoção e prevenção da segurança e da saúde no trabalho, assim revogando o Decreto-Lei n.º 441/91.
No contexto das incapacidades, cabe destacar, por fim, a recente Lei n.º 100/2019 (6/9), que aprovou o estatuto do cuidador informal, que corresponde a um conjunto de normas reguladoras dos direitos e deveres do cuidador e da pessoa cuidada, estabelecendo as respetivas medidas de apoio.
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