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Despedimento por facto imputável ao trabalhador
[Arts. 98.º, 328.º a 332.º e 352.º a 358.º do Código do Trabalho]
Constitui justa causa de despedimento por facto imputável ao trabalhador o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. Subjacente ao conceito de justa causa, estão implícitas as regras conformativas dos conflitos de direitos, nomeadamente, os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade.
Nos termos da lei, os seguintes comportamentos do trabalhador podem constituir justa causa de despedimento: a desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores; a violação de direitos e garantias de trabalhadores da empresa; a provocação repetida de conflitos com trabalhadores da empresa; o desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afeto; a lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa; as falsas declarações relativas à justificação de faltas; as faltas não justificadas ao trabalho que determinem diretamente prejuízos ou riscos graves para a empresa, ou cujo número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou dez interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco; a falta culposa de observância de regras de segurança e saúde no trabalho; a prática, no âmbito da empresa, de violências físicas, injúrias ou outras ofensas punidas por lei sobre trabalhador da empresa, elemento dos corpos sociais ou empregador individual não pertencente a estes, seus delegados ou representantes; o sequestro ou em geral crime contra a liberdade das pessoas referidas na alínea anterior; o incumprimento ou oposição ao cumprimento de decisão judicial ou administrativa; e as reduções anormais de produtividade.
Contudo, não basta a prática dos factos supradescritos para que se verifique automaticamente justa causa para o despedimento. Para que o despedimento por justa causa seja lícito é necessária a verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
(i) um, de natureza subjetiva, traduzido num comportamento culposo do trabalhador;
(ii) outro, de natureza objetiva, que se traduz na impossibilidade de subsistência da relação de trabalho; e
(iii) um terceiro, a existência de nexo de causalidade entre aquele comportamento e a impossibilidade de subsistência da relação laboral.
Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.
Além destes requisitos, para que o despedimento possa ocorrer de forma válida, tem de verificar-se a existência de um procedimento disciplinar prévio, sujeito a um conjunto de requisitos materiais e formais, além de temporais, salvaguardando sempre o direito de defesa do trabalhador relativamente aos atos que lhe sejam imputados.
Este procedimento disciplinar inicia-se pela comunicação, por escrito, ao trabalhador, da intenção de proceder ao seu despedimento, com uma nota de culpa descrevendo circunstanciadamente os factos que lhe são imputados, devendo o empregador remeter cópias da comunicação e da nota de culpa à comissão de trabalhadores e, caso o trabalhador seja representante sindical, à associação sindical respetiva.
Com a notificação da nota de culpa, o empregador pode suspender preventivamente o trabalhador quando a presença na empresa se mostrar inconveniente, mantendo o pagamento da retribuição. A suspensão pode também ter lugar nos 30 dias anteriores à notificação, desde que o empregador justifique, por escrito, que, tendo em conta indícios de factos imputáveis ao trabalhador, a presença deste na empresa é inconveniente e ainda não foi possível elaborar a nota de culpa.
Segue-se a apresentação de defesa por parte do trabalhador para esclarecer os factos e a sua participação nos mesmos, na qual pode juntar documentos e solicitar as diligências probatórias que se mostrem pertinentes para a resolução do caso concreto, iniciando-se depois uma fase instrutória, após a qual o empregador apresenta cópia integral do processo à comissão de trabalhadores e, caso o trabalhador seja representante sindical, à associação sindical respetiva, que podem juntar ao processo o seu parecer fundamentado.
Na decisão final de despedimento são ponderadas as circunstâncias do caso concreto, nomeadamente o grau de lesão dos interesses do empregador, a adequação do despedimento à culpabilidade do trabalhador e os pareceres dos representantes dos trabalhadores, não podendo ser invocados factos não constantes da nota de culpa ou da resposta do trabalhador, salvo se constituírem atenuantes da sua responsabilidade. A decisão deve ser comunicada ao trabalhador, à comissão de trabalhadores e à associação sindical respetiva, caso aquele seja representante sindical, ou, não sendo, à associação sindical que ele indicar, determinando a cessação do contrato logo que chega ao poder do trabalhador ou é dele conhecida (ou quando só por culpa do trabalhador não foi recebida).
O despedimento motivado por facto imputável ao trabalhador não lhe atribui direito a qualquer indemnização, podendo até dar-se o caso de ser o empregador a poder exigir do trabalhador, nos termos da lei civil, a reparação dos danos provocados pela sua conduta lesiva.
Além das hipóteses gerais de ilicitude previstas na lei (quando o despedimento se baseia em motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos, ainda que com invocação de motivo diverso; quando o motivo justificativo do despedimento for declarado improcedente; quando o despedimento não for precedido do respetivo procedimento e, em caso de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou de trabalhador durante o gozo de licença parental inicial, em qualquer das suas modalidades, se não for solicitado o parecer prévio da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres), o despedimento por facto imputável ao trabalhador é ilícito também se tiverem decorrido os prazos legais ou, ainda, se o respetivo procedimento for inválido.
Esta invalidade pode resultar de um conjunto de razões: não ter havido nota de culpa (ou se esta não foi escrita ou não contiver a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador); faltar a comunicação da intenção de despedimento junta à nota de culpa; não ter sido respeitado o direito do trabalhador a consultar o processo ou a responder à nota de culpa; não ter sido respeitado o prazo para resposta à nota de culpa; ou a comunicação ao trabalhador da decisão de despedimento e dos seus fundamentos não ter sido feita por escrito ou não estar elaborada nos termos legalmente previstos.
A ilicitude do despedimento por facto imputável ao trabalhador só pode ser declarada por tribunal judicial, estabelecendo-se atualmente o prazo de 60 dias, contados a partir da receção da comunicação de despedimento ou da data de cessação do contrato, se posterior, para se propor a ação de impugnação do despedimento, no âmbito da qual o empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes de decisão de despedimento que foi comunicada ao trabalhador.
Sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador é condenado a indemnizar o trabalhador por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais, e, salvo nos casos especiais previstos na lei, na reintegração do trabalhador no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade. O trabalhador tem ainda direito a receber as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento (sendo descontados dessa soma os montantes relativos às importâncias que o trabalhador venha a auferir com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento), a retribuição relativa ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da ação (se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento), e o subsídio de desemprego que lhe tiver sido atribuído (devendo o empregador entregar essa quantia à segurança social).
Note-se que, em substituição da reintegração, o trabalhador pode optar por uma indemnização, até ao termo da discussão em audiência final de julgamento, cabendo ao tribunal determinar o seu montante entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade (mas não podendo nunca ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades), atendendo ao valor da retribuição, ao grau de ilicitude e ao tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial.
Por outro lado, no caso de microempresa ou de trabalhador que ocupe cargo de administração ou de direção, pode o empregador requerer ao tribunal que exclua a reintegração, com fundamento em factos e circunstâncias que tornem o regresso do trabalhador gravemente prejudicial e perturbador do funcionamento da empresa.
Esta regra não se aplica, porém, quando a ilicitude do despedimento se fundar em motivo político, ideológico, étnico ou religioso, ainda que com invocação de motivo diverso, ou quando o fundamento da oposição à reintegração for culposamente criado pelo empregador, tendo o trabalhador, nesta situação, direito a uma indemnização, determinada pelo tribunal entre 30 e 60 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade (não podendo o seu montante ser inferior ao valor correspondente a seis meses de retribuição base e diuturnidades).
Ademais, a cessação do contrato obriga o empregador a entregar ao trabalhador um certificado de trabalho, indicando as datas de admissão e saída, bem como o cargo ou cargos desempenhados e quaisquer outros documentos devidos para fins oficiais. Do mesmo modo, extinguindo-se a relação laboral, o trabalhador está obrigado à devolução imediata dos instrumentos de trabalho e quaisquer objetos que sejam do empregador.
Por fim, e porque se trata de uma matéria especialmente relevante e sobre a qual se encontra ampla e consequente doutrina, cita-se um conjunto de autores que ao longo do tempo tem contribuído para sedimentar o conceito de justa causa subjetiva no despedimento por motivo imputável ao trabalhador no quadro do ordenamento jurídico português.
Segundo o Prof. Mário Pinto: “O núcleo essencial do conceito de justa causa reside exatamente na ideia de ‘impossibilidade de subsistência da relação de trabalho’ ” (Glossário de Direito do Trabalho e Relações Industriais, Serviço das Publicações Oficiais das Comunidades Europeias, 1996, págs. 103 e 171).
Como refere Pedro Romano Martinez, a propósito do motivo justificativo do despedimento: “O despedimento é necessariamente vinculado, não só por via do regime geral da resolução do contrato ou da sua caducidade, mas, em particular, atendendo ao princípio da segurança no emprego (art. 53º CRP). Por isso, o despedimento não tem a função de denúncia do contrato, que seria discricionária. Independentemente de o despedimento corresponder a uma resolução por incumprimento ou por alteração das circunstâncias ou fundar-se na impossibilidade de cumprimento é sempre necessário determinar um motivo que o justifique; sem fundamento, o despedimento é ilícito” (Direito do Trabalho, Almedina, 2002, pág. 846).
No mesmo sentido, Bernardo Xavier afirma que: “O art. 53º da Constituição garante aos trabalhadores “a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos”. Julga-se que a Constituição pretendeu aqui, para além da proibição de certas motivações especialmente abusivas, eliminar o sistema de despedimento discricionário sem qualquer motivo justificativo, em que era possível a perda arbitrária do lugar” (Curso de Direito do Trabalho, 2.ª ed., Verbo, 1993, pág. 483).
Jorge Leite, a respeito do conceito de justa causa de despedimento, lembra que “a gravidade do comportamento é um conceito objetivo-normativo não subjetivo-normativo, isto é, a valoração do comportamento não deve ser feita segundo os critérios subjetivos do empregador ou do juiz, mas segundo o critério do empregador razoável, tendo em conta a natureza deste tipo de relações, caracterizadas por uma certa conflitualidade, as circunstâncias do caso concreto e os interesses em presença” (Direito do Trabalho, lições policopiadas, Faculdade Direito Universidade Coimbra, 2004, pág. 417).
No mesmo sentido, Barros Moura considera que “A apreciação tem que ser objetiva […]. Há de tratar-se de um comportamento que, à luz de um critério social, se mostre incompatível com a continuidade do trabalhador ao serviço daquele ou de qualquer outro empregador, privado ou público. Um comportamento de tal modo grave que deixe de ser razoavelmente exigível a um qualquer empregador (um empregador médio) que, mantendo o trabalhador ao serviço, se conforme com a supremacia do direito ao trabalho” (Compilação de Direito do Trabalho – Sistematizada e Anotada, Almedina, 1980, pág. 195).
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