Dimensão coletiva do trabalho ▸ Considerações gerais

Evolução legislativa

O desenvolvimento das relações produtivas e industriais conduziu, na segunda metade do século XIX, ao aprofundamento das contradições sociais e degradação das condições de vida do operariado (a chamada Questão Social), exigindo e impulsionando a regulamentação de matérias laborais. 

Neste quadro de conflituosidade social, económica e política, com larga expressão nos locais de trabalho e nas relações laborais, as associações de trabalhadores vão assumir um papel fundamental, quer ao nível da organização e mobilização dos trabalhadores, quer enquanto representantes dos seus interesses junto do Estado e das entidades patronais. 

A este propósito é de referir, no plano legislativo, a publicação do Decreto de 9/5/1891, sobre associações de classe, cuja constituição estava dependente da aprovação dos respetivos estatutos pelo governo, bem como o Decreto de 5/7/1894, que veio prever a criação de sindicatos agrícolas. 

Com a instauração da República, e num contexto de greves frequentes em diferentes sectores de atividade, foi publicado em 6 de dezembro de 1910 pelo então ministro do Fomento, Brito Camacho, um diploma que ficou conhecido como o “decreto-burla”, por defraudar as expectativas do movimento operário, estabelecendo uma regulamentação que impunha severas limitações à greve, admitia o lock-out e permitia o uso da força policial e militar contra trabalhadores nas empresas e manifestações. 

O regime do Decreto de 9/5/1891 foi alterado pelo Decreto n.º 10.415 (27/12/1924), que veio dispensar a autorização prévia do Governo para a constituição de associações de classe. Destaca-se ainda deste diploma a primeira referência normativa à contratação coletiva, reconhecendo-se a capacidade destas associações para celebrarem contratos coletivos de trabalho. 

Já na vigência da Constituição de 1933, foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 23.048 (23/9/1933) o Estatuto do Trabalho Nacional, que, entre variadas matérias, regulava a função dos contratos coletivos de trabalho, definindo os princípios fundamentais que deviam reger a sua elaboração e vigência. 

A Constituição Política de 1933 e o Estatuto do Trabalho Nacional proibiam a greve e o lock-out, para os quais se estabeleceu completa tipificação penal (Decreto-Lei n.º 23.870, de 18/5/1934), determinando que os conflitos coletivos nas relações de trabalho se dirimiam nos termos da lei, por via de conciliação ou através de arbitragem. 

Posteriormente, a Lei n.º 1952 (10/3/1937), dando concretização ao regime do Estatuto do Trabalho Nacional, estabeleceu, a propósito da contratação coletiva, os termos da aprovação e publicação de acordos e contratos coletivos de trabalho, surgindo como a primeira regulamentação desenvolvida desta matéria. 

Aprofundando o esforço de sistematização do tratamento da matéria da contratação coletiva, o Decreto-Lei n.º 36.173 (6/3/1947) veio regular e uniformizar a estrutura das convenções coletivas de trabalho e a forma da sua elaboração e publicação, fixando os princípios que deviam reger os respetivos contratos e acordos e estabelecendo limites à liberdade negocial das partes no que a certas matérias respeitava. 

Reconheceu-se o princípio do tratamento mais favorável no sentido de a convenção coletiva não poder estabelecer condições menos favoráveis do que as previstas na lei, prevendo-se ainda como condição de eficácia da convenção a respetiva homologação governamental. 

Pelo Decreto-Lei n.º 43.182 (23/9/1960), foram agravadas as consequências da infração por parte das empresas das cláusulas de convenções coletivas, estabelecendo-se multas, mais graves quando se tratasse de matéria salarial. 

O Decreto-Lei n.º 49.212 (28/8/1969), que manteve no essencial o Decreto-Lei n.º 36.173 (6/3/1947), empreendeu um esforço de sistematização e aperfeiçoamento do tratamento do tema da contratação coletiva, nomeadamente estabelecendo uma obrigação de negociação para as partes em confronto, sendo ainda de destacar as inovações trazidas pela nova legislação nos processos de conciliação e arbitragem. Este diploma replicou do regime precedente o princípio do tratamento mais favorável e a homologação governamental como condição de eficácia das convenções coletivas. 

Um ano após a entrada em vigor da nova regulamentação, o Decreto-Lei n.º 492/70 (22/10) veio introduzir um conjunto de alterações a várias disposições do Decreto-Lei n.º 49212 (28/8/1969), visando esclarecer dúvidas e colmatar lacunas que se iam colocando com a aplicação do diploma. Apesar da revisão de diversas normas, os aspetos fundamentais do regime mantiveram-se, porém, inalterados. 

A Revolução de Abril de 1974 assinala uma transformação profunda da sociedade portuguesa e do quadro legal do regime anterior, o que vai ter expressão também no âmbito das relações laborais e do direito do trabalho. 

Vale a pena a este respeito aludir ao Decreto-Lei n.º 203/74 (15/5), que, definindo o programa do Governo Provisório, previu em termos genéricos diversas medidas legislativas de âmbito laboral, como, por exemplo, a instituição de garantias de liberdade sindical ou o estabelecimento de novos mecanismos de resolução de conflitos coletivos de trabalho. 

Foi, então, neste quadro, que a Constituição, que entraria em vigor em abril de 1976, instituiu um conjunto de direitos fundamentais em matéria laboral, de dimensão coletiva, das comissões de trabalhadores à greve, passando pela liberdade sindical. 

Ainda antes, em 1974, o Decreto-Lei n.º 392/74 (27/8) tinha regulado o exercício do direito à greve e lock-out (lock-out defensivo), ainda que apenas em linhas gerais de orientação, fixando, todavia, os limites de tal direito. 

No mesmo ano, o Decreto-Lei n.º 695/74 (5/12) conferia às entidades patronais o direito de se constituírem em associações patronais para a defesa e promoção dos seus interesses, devendo essas associações reger-se pelos princípios da liberdade de constituição, inscrição, organização democrática interna e independência face ao Estado. 

Num contexto de grande agitação política e social e intensa produção legislativa, o Decreto-Lei n.º 215-A/75 (30/4) reconheceu a Intersindical Nacional como a confederação geral dos sindicatos portugueses, bem como toda a sua estrutura de âmbito regional, distrital e local, considerando a necessidade de legalizar as organizações sindicais de âmbito nacional ou regional com representatividade comprovada. 

Por sua vez, o Decreto-Lei n.º 215-B/75 (30/4), respondendo à necessidade de definir as bases do ordenamento jurídico das associações sindicais no novo quadro democrático, veio regular – ainda que em moldes provisórios – o exercício da liberdade sindical dos trabalhadores, revogando as disposições então vigentes sobre associações sindicais, nomeadamente a regra que obrigava os trabalhadores não sindicalizados ao pagamento obrigatório de quotas. 

Já o Decreto-Lei n.º 215-C/75 (30/4) veio conferir às entidades patronais o direito de se constituírem em associações patronais para defesa e promoção dos seus interesses empresariais, revendo o regime que havia sido estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 695/74 (5/12). 

No mesmo ano, foi ainda aprovado o Decreto-Lei n.º 292/75 (16/6), diploma que, não obstante corresponder a uma regulamentação pouco desenvolvida, trouxe a primeira disciplina da contratação coletiva após o fim do Estado Novo, da qual se destacava, desde logo, a amplitude da intervenção governamental. É de referir também a previsão de um processo de arbitragem voluntária, desencadeado por acordo das partes. 

A regulamentação das relações coletivas de trabalho veio, de forma mais sistemática e estruturada, com o Decreto-Lei n.º 164-A/76 (28/2). Procurando fixar pontos de referência para o comportamento das partes interessadas, nomeadamente, no que toca aos mecanismos disponíveis para a solução dos conflitos de trabalho, é de destacar a previsão do princípio do tratamento mais favorável do trabalhador, com a proibição de qualquer disposição que importasse para os trabalhadores tratamento menos favorável do que o legalmente estabelecido. 

No plano sindical, o Decreto-Lei n.º 773/76 (27/10) veio, na sequência da liberdade sindical reconhecida aos trabalhadores pela Constituição, revogar a legislação que, por traduzir princípios contrários àquela liberdade, se mostrava inconstitucional, pondo fim ao que se denominou a unicidade sindical. 

Neste mesmo ano, foi publicado o Decreto-Lei n.º 887/76 (29/12), que introduziu alterações ao regime das relações coletivas de trabalho previsto no Decreto-Lei n.º 164-A/76 (28/2). Com esta revisão pretendeu-se criar condições que garantissem a eficácia e o equilíbrio dos processos de contratação coletiva, salientando-se as alterações em matéria de sucessão e concorrência de convenções coletivas. 

Em 1977, e sobre o tema das relações coletivas de trabalho, destacam-se dois diplomas: a Lei n.º 57/77 (5/8), que aprovou o sistema de cobrança da quotização sindical, e a Lei n.º 65/77 (26/8), que, revogando o Decreto-Lei n.º 392/74 (27/8), veio estabelecer o novo regime da greve, detalhando os seus efeitos e obrigações. Neste diploma, o lock-out foi proibido. 

No sentido do reforço do papel das organizações de trabalhadores, a Lei n.º 16/79 (26/5) previa a regulamentação da participação das comissões de trabalhadores e respetivas comissões coordenadoras, bem como das associações sindicais, na elaboração da legislação de trabalho. 

Dando desenvolvimento ao texto constitucional sobre esta matéria, a Lei n.º 46/79 (12/9) veio fixar as regras da constituição das comissões de trabalhadores e os seus direitos, estabelecendo um procedimento de aprovação dos respetivos estatutos como condição de validade constitutiva. 

No que concerne ao regime jurídico das relações coletivas de trabalho, o Decreto-Lei n.º 519-C1/79 (29/12) manteve a linha de devolução do processo negocial às partes e da consagração da autonomia coletiva, acentuando, contudo, a responsabilização dos parceiros sociais e o seu dever de negociação. 

Este regime viria a permanecer mais de uma década sem alterações de relevo, sendo, porém, de referir, neste período, a aprovação da Lei n.º 31/86 (29/8), que, tratando a matéria da arbitragem de forma autónoma, regulava com detalhe o processo de arbitragem voluntária. 

Com o Decreto-Lei n.º 209/92 (2/10), contudo, o regime jurídico das relações coletivas de trabalho estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 519-C1/79 (29/12) foi amplamente revisto, tendo sido introduzidas significativas alterações, nomeadamente no que concerne à emissão de portarias de extensão, à matéria da denúncia das convenções coletivas ou à previsão inovadora de um processo de arbitragem obrigatória. 

Indo ao encontro do que já acontecia com os trabalhadores do sector privado, cuja liberdade sindical estava assegurada há largos anos pelo Decreto-Lei n.º 215-B/75 (30/4), o Decreto-Lei n.º 84/99 (19/3) veio assegurar a liberdade sindical dos trabalhadores da Administração Pública, regulando o seu exercício. 

A Lei n.º 36/99 (26/5) veio equiparar as associações de empregadores às associações sindicais no que respeita ao direito de participar na elaboração da legislação de trabalho, nos termos estabelecidos na Lei n.º 16/79 (26/5). 

Transpondo para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 94/45/CE, do Conselho (22/9), a Lei n.º 40/99 (9/6) veio regular a instituição de conselhos de empresa europeus, bem como fixar regras de acesso e consulta de informação em empresas e grupos de empresas de dimensão comunitária e transnacionais. 

No âmbito da filiação sindical, a Lei n.º 81/2001 (28/7) veio estabelecer e regular os sistemas de cobrança e entrega de quotas sindicais. 

Em 2003, verifica-se a entrada em vigor da primeira codificação laboral (Código do Trabalho), aprovada pela Lei n.º 99/2003 (27/8), que revogou os diplomas que tratavam de forma dispersa diferentes matérias laborais, designadamente os relativos à matéria das associações sindicais e da contratação coletiva. 

Do ponto de vista substantivo, e no âmbito do direito do trabalho coletivo, são de referir as modificações no regime da contratação coletiva, nomeadamente pela introdução da figura da caducidade das convenções coletivas e enfraquecimento do princípio do tratamento mais favorável. 

O Código do Trabalho foi regulamentado pela Lei n.º 35/2004 (29/7), no qual se destacam as regras sobre estruturas de representação dos trabalhadores, nomeadamente sobre comissões de trabalhadores, que, mais tarde viriam a ser integradas no texto do Código do Trabalho com a revisão de 2009. 

Por seu turno, a Lei n.º 9/2006 (20/3) veio alargar os prazos de sobrevigência das convenções coletivas, prevendo ainda, de forma inovadora em relação ao que constava do Código do Trabalho de 2003, que, mesmo após a caducidade da convenção, fica salvaguardado um conjunto de efeitos que continuam a conformar as relações de trabalho que eram por ela abrangidas. 

Com a revisão global do Código do Trabalho de 2003, através da publicação da Lei n.º 7/2009 (12/2), que aprovou o Código de Trabalho de 2009, verificaram-se alterações de relevo em matéria coletiva, designadamente a inclusão no texto do Código de temas anteriormente tratados em legislação complementar (regime das comissões de trabalhadores, por exemplo) e, de carácter substantivo, a previsão de uma terceira modalidade de arbitragem, a arbitragem necessária. Cabe dizer que o regime da caducidade das convenções coletivas voltou a ser revisto, sem que, porém, no essencial, se tenha alterado de forma relevante. 

No tema da arbitragem, é de mencionar o Decreto-Lei n.º 259/2009 (25/9), que veio regular o novo regime jurídico da arbitragem obrigatória e arbitragem necessária, bem como a arbitragem sobre serviços mínimos durante a greve e os meios necessários para os assegurar, devendo ainda referir-se a Lei n.º 63/2011 (14/12), que aprovou o novo regime da arbitragem voluntária, revogando a Lei n.º 31/86 (29/8). 

Por fim, cumpre aludir à Lei n.º 55/2014 (25/8), que, em cumprimento do Memorando de Entendimento, introduziu várias modificações no regime da caducidade das convenções coletivas, visando, designadamente, a diminuição do respetivo tempo de sobrevigência, e à Lei n.º 11/2021 (9/3), que procedeu à suspensão excecional dos prazos de sobrevigência das convenções coletivas. 

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