Dimensão coletiva do trabalho ▸ Considerações gerais

Introdução

O trabalho, enquanto expressão da capacidade humana de transformar o mundo num quadro produtivo organizado, constitui um fenómeno complexo do ponto de vista social, económico e político, com uma dupla dimensão, tanto individual como coletiva. Esta duplicidade, de resto, reflete-se no Direito do Trabalho, que engloba dois grandes núcleos de normas: as respeitantes às relações individuais de trabalho e as respeitantes às relações coletivas de trabalho. 

O primeiro destes grupos refere-se à dinâmica (formação, execução e cessação) e conteúdo da relação jurídica entre trabalhador e empregador, individualmente considerados. No segundo, incluem-se as normas que dizem respeito à organização dos sujeitos coletivos e as normas que disciplinam as relações entre esses sujeitos, nomeadamente no que concerne às estruturas de representação, à negociação coletiva ou aos conflitos coletivos. 

A relevância da dimensão coletiva do direito do trabalho evidencia-se no tratamento constitucional (capítulo III – Direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores) que lhe é dedicado, sendo de destacar, desde logo, o art. 54.º (comissões de trabalhadores), onde se pode ler que “é direito dos trabalhadores criarem comissões de trabalhadores para defesa dos seus interesses e intervenção democrática na vida da empresa” (n.º 1) e que estes “deliberam a constituição, aprovam os estatutos e elegem, por voto direto e secreto, os membros das comissões de trabalhadores” (n.º 2). 

Refere-se ainda nesse preceito, no n.º 3, que “constituem direitos das comissões de trabalhadores (a) receber todas as informações necessárias ao exercício da sua atividade, (b) exercer o controlo de gestão nas empresas, (c) participar nos processos de reestruturação da empresa, especialmente no tocante a ações de formação ou quando ocorra alteração das condições de trabalho, (d) participar na elaboração da legislação do trabalho e dos planos económico-sociais que contemplem o respetivo sector, (e) gerir ou participar na gestão das obras sociais da empresa e (f) promover a eleição de representantes dos trabalhadores para os órgãos sociais de empresas pertencentes ao Estado ou a outras entidades públicas, nos termos da lei. 

A proteção constitucional da dimensão coletiva do trabalho é reforçada pelo art. 55.º (liberdade sindical), que estabelece que “é reconhecida aos trabalhadores a liberdade sindical, condição e garantia da construção da sua unidade para defesa dos seus direitos e interesses” (n.º 1) e que “no exercício da liberdade sindical é garantido aos trabalhadores, sem qualquer discriminação, designadamente, (a) a liberdade de constituição de associações sindicais a todos os níveis, (b) a liberdade de inscrição, não podendo nenhum trabalhador ser obrigado a pagar quotizações para sindicato em que não esteja inscrito, (c) a liberdade de organização e regulamentação interna das associações sindicais, (d) o direito de exercício de atividade sindical na empresa e (e) o direito de tendência, nas formas que os respetivos estatutos determinarem” (n.º 2). 

Mais estabelecem o n.º 3 que “as associações sindicais devem reger-se pelos princípios da organização e da gestão democráticas, baseados na eleição periódica e por escrutínio secreto dos órgãos dirigentes, sem sujeição a qualquer autorização ou homologação, e assentes na participação ativa dos trabalhadores em todos os aspetos da atividade sindical”, e o n.º 4 que as “as associações sindicais são independentes do patronato, do Estado, das confissões religiosas, dos partidos e outras associações políticas, devendo a lei estabelecer as garantias adequadas dessa independência, fundamento da unidade das classes trabalhadoras”. 

Salienta-se ainda o n.º 6, que prevê que “os representantes eleitos dos trabalhadores gozam do direito à informação e consulta, bem como à proteção legal adequada contra quaisquer formas de condicionamento, constrangimento ou limitação do exercício legítimo das suas funções. 

O art. 56.º da Constituição, por seu turno, regula os direitos das associações sindicais e a contratação coletiva, prevendo o n.º 1 que “compete às associações sindicais defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que representem”, constando do n.º 2 os direitos que lhes são reconhecidos nesta matéria, nomeadamente: “(a) participar na elaboração da legislação do trabalho, (b) participar na gestão das instituições de segurança social e outras organizações que visem satisfazer os interesses dos trabalhadores, (c) pronunciar-se sobre os planos económico-sociais e acompanhar a sua execução, (d) fazer-se representar nos organismos de concertação social, nos termos da lei, e (e) participar nos processos de reestruturação da empresa, especialmente no tocante a ações de formação ou quando ocorra alteração das condições de trabalho. 

Em particular sobre a contratação coletiva, o n.º 3 estabelece que “compete às associações sindicais exercer o direito de contratação coletiva, o qual é garantido nos termos da lei.” e o n.º 4 que “a lei estabelece as regras respeitantes à legitimidade para a celebração das convenções coletivas de trabalho, bem como à eficácia das respetivas normas”. 

No tema dos conflitos coletivos de trabalho, o art. 57.º garante o direito à greve no n.º 1, estabelecendo o n.º 2 que “compete aos trabalhadores definir o âmbito de interesses a defender através da greve, não podendo a lei limitar esse âmbito” e o n.º 3 que “a lei define as condições de prestação, durante a greve, de serviços necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações, bem como de serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis.” Por sua vez, o n.º 4 do art. 57.º proíbe o lock-out dos empregadores. 

Estas disposições constitucionais servem de enquadramento à regulamentação infraconstitucional, em especial, ao Código do Trabalho, que, no título III (Direito coletivo), dedica os arts. 404.º a 475.º aos sujeitos e estruturas de representação, os arts. 476.º e 521.º aos instrumentos de regulamentação coletiva e os arts. 522.º a 545.º aos conflitos coletivos de trabalho, concretizando e densificando o regime enunciado na Constituição.

No subtítulo das estruturas de representação, estabelecem-se as regras gerais aplicáveis a todo o tipo de estruturas, fixando-se simultaneamente o normativo específico de cada uma das estruturas legalmente identificadas: as comissões de trabalhadores, as associações sindicais e as associações de empregadores. 

No subtítulo dos instrumentos de regulamentação coletiva, o Código do Trabalho prevê um conjunto de disposições gerais, destacando-se a previsão do princípio do tratamento mais favorável. O Código do Trabalho distingue os instrumentos de regulamentação coletiva de natureza negocial e não negocial, apresentando de forma mais detalhada o regime das convenções coletivas, fixando regras sobre o seu âmbito pessoal e temporal, com relevo para o princípio da dupla filiação e o regime de sobrevigência no caso de caducidade. 

No que aos conflitos coletivos respeita, prevêem-se as regras dos processos de arbitragem (voluntária, obrigatória e necessária), de conciliação e de mediação, sendo, porém, a greve a figura mais relevante e com maior desenvolvimento legislativo, com o Código do Trabalho a definir regras, nomeadamente, sobre a competência para a convocar, o pré-aviso necessário ou os serviços mínimos que têm de ser assegurados no período respetivo. 

Sobre a dimensão coletiva do trabalho, é de referir a importância, para além da legislação nacional, das fontes externas, nomeadamente as normas emanadas da Organização Internacional do Trabalho, bem como o direito comunitário. 

O site da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa permite a consulta de diplomas legais atualizados, bem como pareceres e anotações a legislação variada. Por seu turno, as Bases Jurídico-Documentais do IGFEJ – Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça disponibilizam ampla jurisprudência. 

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