Incapacidade e doença ▸ Acidente de trabalho
Regime dos acidentes de trabalho
[Arts. 283.º e 284.º do Código do Trabalho, Lei n.º 98/2009 (4/9)]
O Código do Trabalho prevê, no art. 283.º, que o trabalhador e os seus familiares têm direito à reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho, estabelecendo o art. 284.º que a regulamentação da prevenção e reparação dos acidentes de trabalho consta de legislação específica, atualmente a Lei n.º 98/2009 (NLAT).
Cabe, no entanto, à lei laboral estabelecer a obrigação de o empregador transferir a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho para seguradoras e entidades equiparadas, bem como que o Fundo de Acidentes de Trabalho garante o pagamento das prestações que forem devidas por acidentes de trabalho que não possam ser pagas pela entidade responsável, nomeadamente por motivo de incapacidade económica.
Prevê-se, ainda, no Código do Trabalho, com relevância para o futuro profissional do trabalhador afetado por lesão provocada por sinistro laboral que reduza a sua capacidade de trabalho ou de ganho, que o empregador deve atribuir-lhe funções compatíveis com a sua condição.
É de salientar que a lei protege as pessoas economicamente dependentes da sua prestação de trabalho, aqui se incluindo, para além de trabalhadores com contrato de trabalho, aprendizes, praticantes, estagiários e demais situações de formação profissional, bem como diretores ou gerentes.
O âmbito da reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho não é o mesmo quando se trate de acidentes fortuitos, cuja ocorrência não pode ser imputável a terceiros, ou quando se esteja perante um acidente que tenha lugar por atuação culposa do empregador.
No primeiro caso, a reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho, para além de envolver o pagamento de despesas médicas e outras suportadas por causa do acidente, está limitada a um dano patrimonial específico, que resulta da impossibilidade de cumprir a prestação de trabalho, só sendo considerado dano reparável aquele que resulte da incapacidade para o trabalho.
No segundo caso, verificando-se, por exemplo, que o acidente de trabalho surge como consequência de atuação culposa do empregador, por omissão ou incumprimento das normas de higiene e segurança no trabalho, o sinistrado tem direito a todos os cuidados de saúde necessários e à compensação da totalidade dos prejuízos causados, patrimoniais e não patrimoniais.
Note-se que a responsabilidade do empregador por acidentes de trabalho pode ser também excluída ou reduzida em consequência da verificação de certas circunstâncias, mas os motivos de exclusão são apenas aqueles que resultarem da lei, não sendo admitida convenção em sentido contrário nem qualquer renúncia de direitos.
São qualificados como acidentes de trabalho os eventos que se verificam no local e no tempo de trabalho e que produzam direta ou indiretamente perturbação funcional ou doença, provocando redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou morte, assentando a noção de acidente de trabalho numa ideia de imprevisibilidade quanto à sua verificação.
O conceito de acidente de trabalho está delimitado por três elementos cumulativos: um, espacial (local de trabalho), outro, temporal (tempo de trabalho) e, um último, causal (nexo de causa e efeito entre o evento e a lesão).
Não obstante, a lei enquadra ainda como acidente de trabalho um conjunto de situações diversas que estendem este conceito tal como ele surge primeiramente apresentado, considerando-se também acidentes de trabalho os ocorridos (i) no caminho para o local de trabalho ou regresso deste (acidente in itinere); (ii) no desempenho de serviços espontaneamente prestados, mas que representem proveito económico para o empregador; (iii) no local de trabalho e fora deste, se o trabalhador estiver a exercer o seu direito de reunião ou de representação dos trabalhadores; (iv) no local de trabalho, quando em frequência de curso de formação profissional ou, fora do local de trabalho se o empregador tiver autorizado tal frequência; (v) no local de pagamento da retribuição, se o trabalhador lá estiver para esse ato; (vi) no local onde o trabalhador deva receber qualquer tipo de assistência ou tratamento na sequência de anterior acidente de trabalho e enquanto lá estiver para tal; (vii) em atividade de procura de emprego durante o período de crédito de horas concedido por lei aos trabalhadores com processo de cessação de contrato de trabalho em curso; e (viii) fora do local ou tempo de trabalho, quando o trabalhador se encontrar a executar serviços determinados ou consentidos pelo empregador.
Desta extensão do conceito de acidente de trabalho resulta que as noções de local e tempo de trabalho acolhidas pela NLAT têm um sentido e alcance mais alargados do que o que decorre do disposto nos arts. 193.º e 197.º do Código do Trabalho, abrangendo situações que, do ponto de vista da relação laboral conforme configurada na lei do trabalho, poderiam não ter esse enquadramento.
O direito à reparação traduz-se numa miríade de prestações que podem ser em espécie (prestações de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica, hospitalar, entre outras, desde que se revelem necessárias e apropriadas à recuperação do estado de saúde do trabalhador e da sua capacidade de trabalho e ganho, bem como da sua vida ativa) ou em dinheiro (indemnizações, pensões, prestações e subsídios).
Deve destacar-se que não haverá lugar à obrigação de reparação dos danos de um acidente de trabalho quando o mesmo: (i) for dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu ato ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei; (ii) provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado; (iii) resultar da privação permanente ou acidental do uso da razão do sinistrado, nos termos do Código Civil, salvo se tal privação derivar da própria prestação do trabalho, for independente da vontade do sinistrado ou se o empregador ou o seu representante, conhecendo o estado do sinistrado, consentir na prestação; (iv) provier de motivo de força maior; ou (v) ocorra na prestação de serviços eventuais ou ocasionais, de curta duração, a pessoas singulares em atividades que não tenham por objeto exploração lucrativa.
Já no que respeita às consequências físicas do acidente, estas podem corresponder a situações de incapacidade de diferentes naturezas e graus, podendo as incapacidades ser (a) temporárias, de forma (i) parcial ou (i) absoluta, e (b) permanentes, classificando-se em (i) parciais, (ii) absolutas para o trabalho habitual ou (iii) absolutas para todo e qualquer trabalho.
A ocorrência de um acidente de trabalho e de uma incapacidade associada confere o direito, no caso de incapacidade temporária, a uma indemnização que será devida durante e enquanto o sinistrado estiver em regime de tratamento ambulatório ou de reabilitação profissional, e, no caso de incapacidade permanente, a uma pensão anual e vitalícia.
A respeito da pensão atribuída por acidente de trabalho gerador de incapacidade permanente, refira-se que essa pensão será, em certos casos, objeto de remição, o que consiste no pagamento da pensão, ou parte desta, através da entrega de um capital único e de uma só vez.
As prestações atribuídas por incapacidade decorrente de acidente de trabalho são passíveis de revisão, o que significa que sempre que se verifique uma alteração na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado resultado de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão, ou intervenção clínica e aplicação de ajudas técnicas e outros dispositivos, ou ainda de reabilitação e reintegração profissional e readaptação ao trabalho, o valor da prestação pode ser alterado ou extinto.
Vale ainda a pena referir que a incapacidade decorrente de acidente de trabalho constitui motivo justificativo de faltas ao serviço, que não implica a perda de retribuição, salvo se, caso comum, o trabalhador tiver direito a qualquer subsídio ou seguro, hipótese em que o empregador não estará obrigado ao pagamento daquela.
Sobre a situação dos trabalhadores independentes, a regulamentação relativa ao regime do seguro obrigatório de acidentes de trabalho consta de diploma próprio, o Decreto-Lei n.º 159/99 (11/5), que segue, com algumas especificidades, o regime previsto para os trabalhadores dependentes.
Por fim, vale a pena referir que a NLAT prevê a atribuição de diversos subsídios por motivo de acidente de trabalho, destacando-se entre eles, desde logo, o subsídio por situações de elevada incapacidade permanente, destinado a compensar o trabalhador pela perda ou elevada redução permanente da sua capacidade de trabalho ou de ganho resultante de acidente de trabalho.
Cabe ainda fazer referência ao subsídio para a readaptação de habitação, que se destina ao pagamento de despesas com a readaptação da habitação do sinistrado por incapacidade permanente para o trabalho que dela necessite.
E, por último, ao subsídio para frequência de ações no âmbito da reabilitação profissional, que é atribuído desde que o requerente reúna, cumulativamente, os seguintes requisitos: (i) ter capacidade remanescente adequada ao desempenho da profissão a que se referem as ações de reabilitação profissional; (ii) ter direito a indemnização ou pensão por incapacidade resultante do acidente de trabalho ou doença profissional; (iii) ter requerido a frequência de ação ou curso ou aceite proposta do serviço com competências na área da proteção contra os riscos profissionais; e (iv) obter parecer favorável dos serviços médicos responsáveis pela avaliação das incapacidades por doenças profissionais.
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