Sobre a Precariedade

Filipe Lamelas e Pedro Rita

O desenvolvimento da contratação coletiva encontra-se intimamente ligado à expansão do Estado Social, sendo indissociável do próprio conceito de democracia. Um dos seus mais importantes propósitos é potenciar a redistribuição dos recursos. No entanto, nas últimas décadas, esse escopo foi posto em causa.

No início da década de 1970, os pressupostos económicos que sustentavam o modelo típico da relação laboral sofreram profundas alterações e o recurso às formas de trabalho atípicas tem-se generalizado desde o último quartel do séc. XX. Essa generalização deveria ter contribuído para que a regulamentação destas formas de trabalho tivesse como propósito subtraí-las ao arbítrio mercantil, de forma a fornecer tutela jurídica aos trabalhadores.

O direito à segurança no emprego é um princípio estruturante e a sua consagração constitucional comporta o reconhecimento de que o direito ao trabalho tem uma dimensão humana, de realização pessoal e como tal subtrai da arbitrária disponibilidade do empregador não só a livre cessação do vínculo laboral, mas também de toda e qualquer modificação substancial do conteúdo da relação de trabalho.

A Agenda do Trabalho Digno não devia ignorar que a estratégia de combate à precariedade – que tem diferentes expressões – beneficia de um enquadramento no objetivo constitucional da promoção da segurança no emprego, que, não se esgotando no mero combate à precariedade do vínculo laboral, se estende a outras vertentes da relação de trabalho, reforçando com essa associação o sentido mais lato do conceito de precariedade.

De resto, está por fazer uma reflexão profunda sobre a limitação da contratação a termo, da subsidiariedade do trabalho temporário perante aquele (bem a sua limitação a áreas funcionais que não constituam o objeto social da empresa), sobre a essencialidade da dependência económica como um aspeto fulcral na delimitação da figura do contrato de trabalho. Sem essas reflexões, ausentes da Agenda do Trabalho Digno, não se garante a efetivação do princípio da segurança no emprego.