O fator de sustentabilidade no regime das pensões da Segurança Social

Pedro Rita, CoLABOR

Índice

A. Do regime legal e sua evolução

I. Lei n.º 4/2007 (16/1) e Decreto-Lei n.º 187/2007 (10/5)

II. Decreto-Lei n.º 167-E/2013 (31/12)

III. Decreto-Lei n.º 126-B/2017 (6/10)

IV. Decreto-Lei n.º 119/2018 (27/12)

V. Decreto-Lei n.º 70/2020 (18/9)

VI. Resumo

B. Da aplicação da lei no tempo e algumas questões de constitucionalidade

 

A. Do regime legal e sua evolução 

I. Lei n.º 4/2007 (16/1) e Decreto-Lei n.º 187/2007 (10/5)

O fator de sustentabilidade foi introduzido no ordenamento jurídico pela Lei n.º 4/2007 – Lei de Bases da Segurança Social atualmente em vigor –, e regulamentado pelo Decreto-Lei n.º 187/2007, consistindo, em traços gerais, numa taxa de penalização aplicável sobre o montante das pensões de velhice. 

O acelerado envelhecimento da população, em virtude de baixas taxas de natalidade e do aumento da esperança de vida, representa desde há algumas décadas um sério desafio à viabilidade estrutural dos sistemas de segurança social europeus,1 tendo sido esse o contexto que determinou a criação do fator de sustentabilidade.2 

Este mecanismo tem como escopo fazer repercutir o aumento da esperança média de vida no cálculo dos montantes das pensões, numa época em que a idade normal da reforma estava fixada nos 65 anos, sem que a tendência de aumento do tempo de vida fosse considerada. 

Nesse sentido, o n.º 1 do art. 64.º (“fator de sustentabilidade”) da Lei n.º 4/2007 previa que “ao montante da pensão estatutária, calculada nos termos legais, é aplicável um fator de sustentabilidade relacionado com a evolução da esperança média de vida, tendo em vista a adequação do sistema às modificações resultantes de alterações demográficas e económicas”, estabelecendo o n.º 2 que “o fator de sustentabilidade é definido pela relação entre a esperança média de vida verificada num determinado ano de referência e a esperança média de vida que se verificar no ano anterior ao do requerimento da pensão”. 

No Decreto-Lei n.º 187/2007, diploma que, entre outras matérias, procedeu à regulamentação do fator de sustentabilidade inaugurado pela Lei de Bases, podia ler-se na exposição de motivos que “prevê-se a aplicação, na determinação do montante das pensões, de um fator de sustentabilidade, relacionado com a evolução da esperança média de vida e que é elemento fundamental de adequação do sistema de pensões às modificações de origem demográfica ou económica. Dispõe-se concretamente que o fator de sustentabilidade resulta da relação entre a esperança média de vida em 2006 e aquela que vier a verificar-se no ano anterior ao do requerimento da pensão. 

O fator de sustentabilidade vinha tratado no art. 35.º desse mesmo Decreto-Lei n.º 187/2007, que determinava que “no momento do cálculo da pensão de velhice ou na data da convolação da pensão de invalidez em pensão de velhice, é aplicável, respetivamente, ao montante da pensão estatutária ou ao montante da pensão regulamentar em curso o fator de sustentabilidade correspondente ao ano de início da pensão ou da data da convolação, sem prejuízo do disposto no número seguinte.”

O n.º 2, contudo, afastava a aplicação do fator de sustentabilidade nas situações em que, na data da convolação da pensão de invalidez absoluta em pensão de velhice, o beneficiário tivesse, à data em que completasse 65 anos de idade, recebido pensão de invalidez absoluta por um período superior a 20 anos. 

O n.º 3 e o n.º 4 do mesmo preceito foram dedicados à fórmula de cálculo da taxa do fator de sustentabilidade, dispondo, a esse propósito, o n.º 5 que “o indicador da esperança média de vida aos 65 anos relativa a cada ano é objeto de publicação pelo Instituto Nacional de Estatística.”

Sobre o âmbito de aplicação, há que dar nota do art. 100.º do Decreto-Lei n.º 187/2007 (“aplicação do fator de sustentabilidade aos beneficiários já inscritos na segurança social”), que excluía a aplicação do fator de sustentabilidade no caso de “beneficiários que à data da entrada em vigor do presente decreto-lei estejam inscritos na segurança social e que venham a ser titulares de pensão de invalidez absoluta por um período superior a metade do tempo que decorre entre a data da entrada em vigor do presente decreto-lei e a data em que completarem os 65 anos de idade. 

Refira-se, ainda, o art. 114.º desse diploma, relativo ao início da produção de efeitos, que, de acordo com o n.º 2 e o n.º 3, recusava igualmente a aplicação do fator de sustentabilidade às “pensões cuja data a que se reporta o respetivo início não seja posterior a 31 de dezembro de 2007”, e àquelas que decorressem da “convolação das pensões de invalidez em pensão de velhice se iniciadas até 31 de dezembro de 2007. 

 

II. Decreto-Lei n.º 167-E/2013 (31/12)

Após alguns anos, ao longo dos quais se verificaram somente ligeiras alterações no regime do Decreto-Lei n.º 187/2007, que, de resto, não tiveram grandes implicações nos seus aspetos fundamentais, o Decreto-Lei n.º 167-E/2013 inverteu essa tendência: introduziu alterações significativas, desde logo no que toca à determinação da idade de acesso à reforma, mas também, e de maior relevância no presente texto, no que concerne à disciplina do fator de sustentabilidade. 

Neste contexto particular, foi alterada a fórmula de cálculo da taxa respetiva, tendo o novo método significado um agravamento severo do corte nas pensões e, nessa medida, do peso negativo do fator de sustentabilidade no apuramento do rendimento mensal dos pensionistas por ele abrangidos. 

Paralelamente, deu-se uma restrição assinalável do âmbito de aplicação do fator de sustentabilidade, ao prever-se que deixavam de lhe estar sujeitas “as pensões estatutárias dos beneficiários que passem à situação de pensionistas de velhice na idade normal de acesso à pensão, ou em idade superior”. 

Na lógica e objetivos do Decreto-Lei n.º 167-E/2013, esta desaplicação está relacionada com uma outra, decisiva, inovação trazida por este diploma: a alteração da idade normal de acesso à pensão de velhice, que, após 2014, passou a variar em função da evolução da esperança média de vida calculada aos 65 anos de idade. 

Se até então a idade normal de acesso à reforma e à pensão de velhice era fixa, não se ajustando ao aumento da esperança média de vida, o que justificou, por exemplo, a instituição do fator de sustentabilidade, a partir do Decreto-Lei n.º 167-E/2013 (que só entrou em vigor em 1/1/2014), a situação alterou-se radicalmente, passando a idade normal de acesso a estar associada ao ciclo demográfico. 

A “sustentabilidade” do sistema de pensões passou, com esta alteração, a estar assente no aumento anual da idade de reforma em função da esperança média de vida, o que tornava o fator de sustentabilidade um instrumento menor na gestão e contabilidade da Segurança Social, como, aliás, a diminuição do respetivo âmbito de aplicação promovida pela nova lei vinha confirmar. 

Não obstante, e contrariando o sentido para que apontava esta reconfiguração, a nova fórmula de cálculo da taxa do fator de sustentabilidade implicou um aumento significativo do corte no montante das pensões, o que, combinado com o aumento da idade normal de reforma igualmente previsto neste diploma, se traduziu numa dupla penalização. 

Na sequência da aprovação do Decreto-Lei n.º 167-E/2013, o art. 35.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, na versão que lhe foi dada por aquele diploma, passou a estabelecer, no n.º 1, que “no momento do cálculo da pensão de velhice ou na data da convolação da pensão de invalidez em pensão de velhice é aplicável, respetivamente, ao montante da pensão estatutária ou ao montante da pensão regulamentar em curso, o fator de sustentabilidade correspondente ao ano de início da pensão ou da data da convolação, sem prejuízo do disposto nos n.os 2 e 5. 

O n.º 2, de acordo com a nova regra acerca da idade normal de acesso à pensão de velhice, foi revisto, tendo passado a prever que “na data da convolação da pensão de invalidez absoluta em pensão de velhice, o fator de sustentabilidade não é aplicável nas situações em que, à data em que a mesma ocorra, o beneficiário tiver recebido pensão de invalidez absoluta por um período superior a 20 anos. 

Por sua vez, a alteração da fórmula de cálculo do fator de sustentabilidade foi inscrita nos n.os 3 e 4 do art. 35.º, com a redação que lhes foi dada pelo Decreto-Lei n.º 167-E/2013. 

Já o novo n.º 5, por seu turno, referia-se à redução do âmbito de aplicação do fator de sustentabilidade, estatuindo que “ficam salvaguardadas da aplicação do fator de sustentabilidade as pensões estatutárias dos beneficiários que passem à situação de pensionistas de velhice na idade normal de acesso à pensão, ou em idade superior. 

O art. 100.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, apesar de ter sofrido algumas alterações, manteve no fundamental o seu sentido no Decreto-Lei n.º 167-E/2013, sendo, porém, adaptado de acordo com a alteração introduzida a respeito da idade normal de acesso à reforma, excluindo da aplicação do fator de sustentabilidade os “beneficiários que à data da entrada em vigor do presente decreto-lei estejam inscritos na segurança social e que venham a ser titulares de pensão de invalidez absoluta por um período superior a metade do tempo que decorre entre a data da entrada em vigor do presente decreto-lei e a data em que completarem a idade normal de acesso à pensão de velhice. 

Ainda no que respeita ao âmbito de aplicação, no art. 13.º, sobre a “produção de efeitos”, pode ler-se que “o disposto no artigo 5.º aplica-se às pensões de velhice que sejam requeridas após a data da entrada em vigor do presente decreto-lei, bem como às requeridas em 2013 ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 76.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio, nas situações em que os requerentes não atinjam os 65 anos até ao final daquele ano”. 

 

III. Decreto-Lei n.º 126-B/2017 (6/10)

Tendo as regras de acesso à reforma e pensão de velhice sofrido profundas alterações entre 2013 e 2017, o regime do fator de sustentabilidade, voltaria a ser revisto pelo Decreto-Lei n.º 126-B/2017, o qual, numa linha de continuidade com o Decreto-Lei n.º 167-E/2013, prosseguiu com a redução do campo de intervenção deste mecanismo.

Nesse sentido, foi acrescentado ao art. 35.º um novo n.º 6, que dispunha o seguinte: “ficam, igualmente, salvaguardadas da aplicação do fator de sustentabilidade as pensões estatutárias” dos “(a) beneficiários com idade igual ou superior a 60 anos e com, pelo menos, 48 anos civis com registo de remunerações relevantes para o cálculo da pensão [e dos] (b) beneficiários com idade igual ou superior a 60 anos e com, pelo menos, 46 anos civis com registo de remunerações relevantes para o cálculo da pensão e que tenham iniciado a sua carreira contributiva no Regime Geral de Segurança Social ou na Caixa Geral de Aposentações com 14 anos de idade ou em idade inferior.” 

Ainda nesta orientação, o n.º 2 do art. 35.º passou a prever que “na data da convolação das pensões de invalidez em pensão de velhice não é aplicável o fator de sustentabilidade”, o que significa, em relação à versão anterior deste preceito, o alargamento da não aplicação do fator de sustentabilidade a todos os casos de convolação da pensão de invalidez em pensão de velhice. 

O antigo art. 100.º, por seu turno, foi revogado. 

Sobre a entrada em vigor e produção de efeitos, o art. 7.º estabelecia no n.º 1, onde se insere o tema do fator de sustentabilidade, que “o presente decreto-lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação, produzindo efeitos a 1 de outubro de 2017”. 

 

IV. Decreto-Lei n.º 119/2018 (27/12)

Mantendo a toada de erosão do âmbito de aplicação do fator de sustentabilidade, o Decreto-Lei n.º 119/2018, veio substituir os n.os 5 e 6 do art. 35.º – cuja redação tinha sido determinada pelo Decreto-Lei n.º 126-B/2017 –, por um novo n.º 5, que dispõe: “fica salvaguardado da aplicação do fator de sustentabilidade o cálculo” das “(a) pensões de invalidez, (b) pensões de velhice resultantes da convolação das pensões de invalidez, (c) pensões de velhice dos beneficiários que passem à situação de pensionistas na idade normal ou na idade pessoal de acesso à pensão, ou em idade superior, (d) pensões de velhice do regime de flexibilização da idade [e] (e) pensões de velhice do regime de antecipação por carreiras contributivas muito longas.” 

Para além dos arranjos do texto, clarificação e organização do preceito, as alterações introduzidas nesta sede traduziram-se na eliminação do fator de sustentabilidade para os beneficiários que, no regime de flexibilização da idade de pensão de velhice, tivessem, pelo menos, 60 anos de idade e completassem, pelo menos, 40 anos de registo de remunerações. 

O n.º 1 do art. 8.º, que respeita à “produção de efeitos”, previa que “o presente decreto-lei produz efeitos a 1 de janeiro de 2019”, assim sucedendo, também, no que ao fator de sustentabilidade concerne. 

 

V. Decreto-Lei n.º 70/2020 (18/9)

Mais recentemente, e confirmando a tendência das alterações precedentes, o Decreto-Lei n.º 70/2020 veio eliminar a aplicação do fator de sustentabilidade nos regimes de antecipação da idade de pensão de velhice para os “(a) […] trabalhadores abrangidos por acordos internacionais na Região Autónoma dos Açores, […]; (b) […] trabalhadores do interior das minas, das lavarias de minério e dos trabalhadores da extração ou transformação primária da pedra, incluindo a serragem e corte da pedra em bruto […]; (c) […] bordadeiras de casa na Madeira, […]; (d) […] profissionais de bailado clássico ou contemporâneo, […]; (e) […] trabalhadores portuários integrados no efetivo portuário nacional, […]; (f) […] trabalhadores da Empresa Nacional de Urânio, S. A., […]; (g) […] controladores de tráfego aéreo, […]; (h) […] pilotos comandantes e copilotos de aeronaves de transporte público comercial de passageiros, carga ou correio, […]; (i) […] trabalhadores inscritos marítimos da marinha do comércio de longo curso, de cabotagem e costeira e das pescas, […] [e] (j) […] trabalhadores inscritos marítimos que exercem atividade na pesca”. 

Assinala-se o elenco alargado e específico de situações que, com a contribuição deste diploma, deixaram de estar abrangidas pelo fator de sustentabilidade, reforçando-se o carácter residual das pensões sobre as quais se continuará a aplicar. 

O art. 5.º deste Decreto-Lei n.º 70/2020, regulando a “produção de efeitos”, estabeleceu que o seu regime “aplica-se aos requerimentos de pensão ao abrigo dos regimes de antecipação da idade de acesso à pensão de velhice previstos no artigo 2.º apresentados desde 1 de janeiro de 2020”. 

 

VI. Resumo

A análise da evolução e alterações da regulamentação relativas ao fator de sustentabilidade, criado em 2007 e primeiramente implementado em 2008, revela que, a partir de 2014, se verifica uma progressiva diminuição do âmbito de aplicação do fator de sustentabilidade e, consequentemente, da sua relevância jurídica no quadro de reforma do sistema da Segurança Social, com os Decretos-Leis n.º 167-E/2013, n.º 126-B/2017, n.º 119/2018 e n.º 70/2020 como comprovativos dessa tendência. 

Esta redução do universo de pensões afetadas pelo fator de sustentabilidade significa que, no regime legal atual, as situações em que as pensões são abrangidas por este mecanismo não se afiguram significativas. 

Outro aspeto que se destaca nesta análise é o que se prende com as alterações introduzidas à fórmula de cálculo da taxa do fator de sustentabilidade, com efeitos a partir de 2014, cujo resultado foi o de um aumento significativo do valor deduzido às pensões. 

Com efeito, o salto abrupto da taxa aplicada de 4,78% em 2013 para 12,34% em 2014 teve um forte impacto no apuramento do montante final da pensão, representando um corte especialmente elevado no rendimento mensal dos pensionistas a cujas pensões se aplicava e aplica o fator de sustentabilidade. 

 

B. Da aplicação da lei no tempo e algumas questões de constitucionalidade

A evolução do regime jurídico do fator de sustentatibilidade, traduzida nos diversos diplomas que foram sendo aprovados nesta matéria, coloca um conjunto de questões relativas à sucessão de leis no tempo e respetivos âmbitos de aplicação. 

Saber, de entre os diferentes normativos, que regras e a que pensões e sujeitos aquelas se aplicam constitui uma tarefa interpretativa desafiante,3 mas também necessária, mais ainda por poderem ocorrer eventuais conflitos com princípios constitucionais. 

O Código Civil prevê como princípio geral no seu art. 12.º que a lei nova só dispõe para o futuro, entendendo-se que estão por ela abrangidas as situações jurídicas já constituídas que subsistam à data da sua entrada em vigor, desde que a lei nova disponha diretamente sobre o respetivo conteúdo, abstraindo dos factos que lhe deram origem.4 

A regra do Código Civil tem carácter supletivo e só será de aplicar nos casos em que a nova lei não regule os seus efeitos no tempo, isto é, quando aquela nada preveja sobre a temporalidade da sua aplicação, através, por exemplo, de normas transitórias. 

De resto, o ordenamento jurídico português, salvo algumas exceções, não consagra o princípio da não retroatividade da lei, admitindo-se que a lei nova possa produzir efeitos em relação a situações jurídicas ocorridas no passado ou nele constituídas mas que ainda subsistem. 

Neste sentido, quando a lei nova projeta os seus efeitos sobre o passado ou sobre situações constituídas no passado mas ainda vigentes, estar-se-á perante casos de retroatividade da norma, podendo estas ser classificadas, nas palavras de J. J. Gomes Canotilho,5 em dois tipos fundamentais: retroatividade autêntica, o que acontece quando uma norma produz efeitos sobre o passado (eficácia ex tunc), e retroatividade inautêntica ou retrospetividade, o que ocorre quando a lei nova, vigorarando para o futuro (eficácia ex nunc), incide sobre situações jurídicas constituídas no passado mas ainda vigentes. 

No que toca ao regime do fator de sustentabilidade, as dúvidas relacionadas com a aplicação da lei no tempo estão parcialmente resolvidas, uma vez que os diferentes diplomas aprovados nesta matéria foram estabelecendo normas específicas sobre a produção dos respetivos efeitos. 

Da análise destas disposições, resulta que o legislador não optou, em nenhuma ocasião, por uma forma de retroatividade autêntica, não tendo visado produzir efeitos sobre o passado, regulando situações de facto existentes e concluídas antes da sua entrada em vigor. 

Com efeito, o legislador entendeu que o novo regime não teria efeitos sobre pensões atribuídas antes da sua entrada em vigor no sentido de determinar qualquer restituição ou cobrança relativas ao tempo anterior ao início de vigência respetivo. 

Antes o inverso, como resulta do Decreto-Lei n.º 187/2007, que regulamentou originalmente o fator de sustentabilidade e previa que este apenas se aplicava às pensões com início reportado a data posterior a 31/12/2007 e às pensões de invalidez convoladas em pensão de velhice iniciadas depois daquela data. 

No mesmo sentido, o Decreto-Lei n.º 167-E/2013 estabelecia, em relação ao fator de sustentabilidade, que as alterações introduzidas se aplicavam apenas às pensões de velhice requeridas após a data da sua entrada em vigor (1/1/2014).6 

De forma inovadora em relação aos dois diplomas anteriores, porém, nos Decretos-Leis n.º 126-B/2017 e n.º 119/2018, o legislador tomou a opção (arts. 7.º e 8.º) de fazer incidir os respetivos regimes, não apenas sobre as pensões atribuídas após este momento, mas também, com efeitos a partir do seu início de vigência, sobre pensões atribuídas no passado e que continuavam a ser recebidas na data da entrada em vigor desses diplomas. 

Não produzindo efeitos sobre o passado, os Decretos-Leis n.º 26-B/2017 e n.º 119/2018 visavam, no entanto, produzir efeitos sobre situações constituídas no passado e que se mantinham em execução à data da sua entrada em vigor, expressão, na classificação atrás indicada, de uma retroatividade inautêntica ou retrospetividade. 

Por sua vez, o Decreto-Lei n.º 70/2020 optou por uma regulação que constitui uma modalidade intermédia em relação às soluções consagradas nos quatro diplomas já mencionados, não cingindo a sua aplicação às pensões atribuídas após a sua entrada em vigor, e abrangendo, além destas, as pensões que foram atribuídas em momento anterior ao início da sua vigência, mas apenas a partir de 1/1/2020, promovendo, nessa medida, uma forma de retrospetividade limitada. 

O resultado desta sucessão de diplomas e dos seus regimes, no que se refere à entrada em vigor e produção de efeitos, constitui uma multiplicidade de situações jurídicas que, embora sendo idênticas nos factos que lhes servem de base, acabam por estar reguladas de forma distinta. 

Nesta convivência intrincada de regimes, ressaltam as situações em que pessoas com idêntica carreira contributiva e com base em idêntica remuneração de referência recebem pensões com valores diferentes apenas porque preencheram as condições de reforma em momento anterior ou posterior à entrada em vigor de uma nova lei. 

Essas situações de desigualdade de tratamento suscitam dúvidas sobre a sua conformidade à Constituição, tendo em conta, desse logo, que o princípio da igualdade 7 se concretiza, em primeira instância, na proibição do arbítrio, impedindo o estabelecimento de discriminações injustificadas e garantindo a igualdade de tratamento perante a lei. 

O princípio da igualdade impõe uma efetiva “igualdade na aplicação do direito, fundamentalmente assegurada pela tendencial universalidade da lei e pela proibição de diferenciação de cidadãos com base em condições meramente subjetivas”,8 implicando, por isso, que “para todos os indivíduos com as mesmas características devem prever-se, através da lei, iguais situações ou resultados jurídicos”.9 

Para se afastar a inconstitucionalidade, a discriminação e o tratamento diferenciado devem estar fundamentados de forma racional e lógica em relação ao contexto e fim da lei discriminatória, exigindo-se simultaneamente que esse tratamento desigual seja adequado à razão justificativa.10 

Nas palavras de Sousa Ribeiro,11a ideia chave da nova doutrina é a de que não basta que a diferença seja fundada numa razão justificativa racionalmente relacionável com o contexto e o fim da norma: é necessária, a mais disso, que a extensão e o grau da desigualdade de tratamento estejam numa relação de correspondência adequada com essa razão justificativa. Em palavras mais simples e diretas: o controlo pelo princípio da igualdade deve incidir não apenas sobre o fundamento, mas também sobre a medida da diferença de tratamento.” 

A determinação da medida da diferença de tratamento convoca um juízo de proporcionalidade, uma ponderação sobre a adequação dos meios aos fins e a comparação entre situações semelhantes. 

Esta “proporcionalidade”, porém, não se confunde com a que está prevista no art. 18.º da Constituição,12 que é aplicável nas relações entre indivíduo e entidades públicas e privadas e cujo âmbito de intervenção é o da restrição de direitos fundamentais, sendo de acompanhar Sousa Ribeiro quando este afirma que “a proporcionalidade que importa ao princípio da igualdade é referida à desigualdade de tratamento e não ao grau de afetação de um direito fundamental”,13 e que, “inserida na estrutura normativa do princípio da igualdade, ela impõe a contenção de excessos desequilibradores no tratamento desfavorável de uma situação em relação a uma outra que serve de termo de comparação”.14 

Considerando que o princípio da igualdade tende a não operar diacronicamente,15 no sentido de que a igualdade se deve aferir na comparação do tratamento de situações iguais e sincrónicas, há situações em que a liberdade de conformação política tem de se reger também pela regulamentação anterior e por situações jurídicas constituídas ao abrigo dessa regulamentação, no sentido de não ser geradora de desigualdades e diferenças de tratamento arbitrárias. 

Reconhece-se ao legislador margem de liberdade na fixação temporal dos efeitos normativos de uma nova lei, estando assim assegurada a autonomia da função legislativa, cujas liberdade constitutiva e autorrevisibilidade seriam praticamente eliminadas se, em matérias tão amplas como os direitos sociais, o legislador fosse obrigado a manter integralmente o nível de realização e a respeitar os direitos por ele criados.16 

Mas essa liberdade está por sua vez condicionada aos fins que a nova lei se propõe a atingir e à adequação dos meios usados, sendo proibidas as distinções de regime que assentem em diferenciações irrelevantes em relação a esses fins.17 

No que diz respeito ao fator de sustentabilidade, porém, nem se trata verdadeiramente de fazer operar o princípio da igualdade de forma diacrónica. As alterações ao regime introduzidas criaram tratamentos diferenciados que acabam por reconduzir a situações sincrónicas, na medida em que beneficiários em igualdade de condições estão, nesta data, sujeitos a regimes distintos, apenas porque determinada lei foi aprovada antes ou depois do momento da sua passagem à reforma ou, como também sucede, a Segurança Social não procede, em obediência ao princípio da legalidade a que está vinculada, ao recálculo das pensões à luz da nova lei em vigor. 

A verdade é que o legislador foi alterando o regime legal sem garantir a sua coerência e a igualdade de tratamento dos seus destinatários, fazendo conviver no ordenamento jurídico vigente situações de facto semelhantes com soluções normativas díspares. 

Este quadro, sendo suscetível de ferir o princípio da igualdade,18 põe ainda em causa a ideia de segurança jurídica, princípio de natureza constitucional que se retira do disposto no art. 2.º da Constituição19. 

Este princípio de segurança jurídica, cuja dimensão subjetiva se manifesta na proteção da confiança,20 visa garantir que os destinatários das normas não são surpreendidos pelo legislador com mudanças intempestivas e radicais dos regimes em vigor sem que operem razões justificativas lógicas e adequadas. 

Neste âmbito, Reis Novais afirma que “os particulares têm, não apenas o direito a saber com o que podem legitimamente contar por parte do Estado, como, também, o direito a não verem frustradas as expectativas que legitimamente formaram quanto à permanência de um dado quadro ou curso legislativo, desde que essas expectativas sejam legítimas, haja indícios consistentes de que, de algum modo, elas tenham sido estimuladas, geradas ou toleradas por comportamentos do próprio Estado e os particulares não possam ou devam, razoavelmente, esperar alterações radicais no curso do desenvolvimento legislativo normal”.21 

A propósito do fator de sustentabilidade, pode dizer-se, desde logo, que o conjunto de diplomas que, em pouco tempo, transformou de forma profunda o seu regime jurídico, reduzindo significativamente o âmbito de aplicação e aumentando drasticamente a taxa aplicável, bem como as opções, legais e administrativas, que foram tomadas em matéria de sucessão de leis no tempo, que criaram situações de tratamento desigual de difícil compreensão, contribuíram, antes de mais, para uma ideia de insegurança jurídica e de fraca tutela da confiança. 

A proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na atuação do Estado implica que as pessoas tenham um mínimo de certeza e de segurança no direito e nas expectativas que lhes são juridicamente criadas,22 sendo inválida e inconstitucional a sua afetação de forma intolerável ou arbitrária. 

Decorre do art. 2.º da CRP que “ao Estado incumbe não apenas ‘respeitar’ os direitos e liberdades fundamentais, mas também ‘garantir a sua efetivação’ ”,23 verificando-se, desse modo, uma necessidade de “previsibilidade e calculabilidade da atuação estadual, de clareza e densidade normativa das regras jurídicas e de publicidade e transparência dos atos dos poderes públicos, designadamente os suscetíveis de afetarem negativamente os interesses dos particulares”.24 

 

Se, por um lado, é pacífico que a necessidade de segurança jurídica e tutela da confiança não obstam a alterações legislativas, ainda que de relevo, também é unívoco que essas modificações não podem, de forma injustificada ou sem fundamento material profundo, frustrar legítimas expectativas. 

Este juízo será tão válido nos casos em que a lei nova é mais desfavorável ao destinatário e se lhe aplica como nos casos em que a lei nova é mais favorável e não se lhe aplica. 

Nesta hipótese, as expectativas consolidam-se no momento da aprovação da nova lei, que se apresenta como padrão de referência jurídica para todas as situações divergentes que se tenham constituído no passado. 

Os indivíduos abrangidos por um regime que o legislador opta por revogar podem legitimamente esperar ser tratados de forma igual àqueles que, em condições idênticas às suas, beneficiam de um regime mais favorável que a lei nova veio aprovar. 

É o que sucede com o fator de sustentabilidade, em relação ao qual, em face da evolução do seu regime jurídico, com a redução progressiva do âmbito de incidência, se criaram expectativas quanto à sua desaplicação de forma generalizada, incluindo a situações constituídas no passado. 

Estas expectativas foram ainda reforçadas pela reorientação da reforma da Segurança Social no sentido da aprovação de medidas com carácter mais estrutural, diminuindo, nesse novo contexto, a relevância do fator de sustentabilidade enquanto mecanismo direcionado à obtenção do equilíbrio financeiro do sistema de pensões. 

De resto, diga-se que, no caso do regime de flexibilização da idade da reforma, os pensionistas que ainda hoje estão sujeitos à aplicação do fator de sustentabilidade são igualmente penalizados por uma taxa de redução da pensão de 0,5% por cada mês de antecipação em relação à idade legal da reforma (art. 32.º do Decreto-Lei n.º 187/2007). 

Esta taxa de redução de 0,5% aplicada às pensões no caso de flexibilização do acesso à reforma, tem como fundamento, precisamente, penalizar a antecipação da reforma, pelo que essa penalização é duplicada pela aplicação do fator de sustentabilidade, que tem esse mesmo objetivo. 

Por outro lado, a criação do fator de sustentabilidade e a sua aplicação à generalidade das pensões de velhice fundamentou-se, à época, numa alegada situação de crise grave da Segurança Social, que entretanto evoluiu favoravelmente. 

Considerando todos estes elementos, factuais e jurídicos, não parece que se possa dizer que a discriminação resultante da aplicação de regimes legais diferentes a situações substantivamente equiparadas, como acontece no presente, se justifica em função dos fins do fator de sustentabilidade e da sua adequação enquanto meio para atingir esses fins. 

Especialmente quando existem diversas situações de discriminação que são apenas fruto do incumprimento de disposições legais e princípios constitucionais por parte da Segurança Social, que, ao não proceder ao recálculo das pensões segundo os parâmetros legalmente em vigor, perpetua situações de desigualdade. 

 

Note-se que:

– as medidas que foram sendo adotadas num quadro de transformação mais estrutural da Segurança Social tornaram a aplicação do fator de sustentabilidade num instrumento sem repercussão económica relevante no funcionamento geral do sistema de pensões;

– o âmbito de aplicação do fator de sustentabilidade se reduziu grandemente, sendo meramente residual no regime vigente;

– há um número muito considerável de pensões que são atualmente afetadas pelo fator de sustentabilidade que não o seriam se essas pensões fossem agora calculadas;

– o fator de sustentabilidade representa um corte significativo na pensão;

– há uma duplicação de taxas com o mesmo objetivo de penalizar a antecipação da reforma, com pensões sujeitas à aplicação do fator de sustentabilidade, por um lado, e da taxa de redução, por outro; e

– a situação de crise de finanças públicas no contexto da qual o fator de sustentabilidade foi instituído já não se verifica, pelo menos, com a dimensão referida pelos poderes públicos à data da introdução deste fator. 

Neste contexto, manter a aplicação do fator de sustentabilidade às pensões atribuídas no passado constitui uma injustiça relativa, não apenas sob o prisma do princípio da igualdade, que pressupõe que situações idênticas sejam tratadas de forma igual, sem discriminações injustificadas e desadequadas, mas também do princípio da proteção da confiança, do qual resulta que as opções legislativas têm de respeitar as legítimas expectativas dos visados, desde logo, de serem tratados de forma igual aos seus pares. 

Nesta medida, poderá então concluir-se que a desaplicação do fator de sustentabilidade em todas as pensões de velhice (já atribuídas ou por atribuir) se apresenta como a solução jurídica globalmente mais consentânea com a defesa dos princípios constitucionais da igualdade e da proteção da confiança, sendo que, ademais, não põe em causa de nenhuma forma a sustentabilidade do sistema de pensões da Segurança Social. 

 


1 Cfr., entre outros, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 575/2014: “O fator de sustentabilidade, criado pela Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, e regulamentado pelo Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio, para o regime geral de segurança social e pelo Decreto-Lei n.º 52/2007, de 31 de agosto, para o regime da CGA, está relacionado com uma das principais causas da insustentabilidade do sistema público de pensões, como é o caso da evolução da esperança média de vida. 

2 A este respeito, note-se que a aplicação do fator de sustentabilidade, significando uma diminuição da despesa, não tem, todavia, repercussão do lado da receita para a Segurança Social. 

3 J. J. Gomes Canotilho, Parecer à Associação dos Agentes Técnicos de Arquitectura e Engenharia, sobre a legitimidade jurídico constitucional da Lei n.° 31/2009, de 3/7, e da Portaria n.° 1379/2009, de 30/10, com data de 27/12/2010: “Em tempos de intensa atividade legislativa, com constantes e numerosas alterações de disciplinas jurídicas diversas, a importância prática do problema da aplicação da lei no tempo assume um redobrado protagonismo, apelando, por isso, a um especial cuidado na resolução dos problemas que aquela aplicação inevitavelmente suscita. Um desses problemas — provavelmente o que revela maior dificuldade — traduz-se precisamente na retroatividade no contexto de sucessão de leis no tempo. 

4 Artigo 12.º (Aplicação das leis no tempo. Princípio geral) 1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroativa, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular. 2. Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.” 

5 J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 5.ª edição. Almedina, Coimbra, 2001, págs. 261 e segs. 

6 O art. 13.º do Decreto-Lei n.º 167-B/2013 refere ainda que o seu regime se aplica igualmente às pensões de velhice requeridas em 2013 ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 76.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio, nas situações em que os requerentes não atinjam os 65 anos até ao final daquele ano. 

7Artigo 13.º (Princípio da igualdade) 1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. 2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.

8 J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, pág. 337. 

9 J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, Coimbra, pág. 399. 

10 A este respeito, ver os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 396/2011, n.º 353/2012, n.º 187/2013, n.º 413/2014 e n.º 574/2014, nos quais o tribunal se debruça sobre o princípio da igualdade a partir de situações de desigualdade de tratamento entre grupos de pessoas, preocupando-se, não apenas com a possibilidade de violação da igualdade por discriminações arbitrárias, mas também considerando o equilíbrio e a proporcionalidade da medida e da diferença de tratamento. 

11 Joaquim de Sousa Ribeiro, Direitos Sociais e Vinculação do Legislador, Almedina, Coimbra, 2021, pág. 245. 

12Artigo 18.º (Força jurídica) 1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas. 2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. 3. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstrato e não podem ter efeito retroativo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.” 

13 Joaquim de Sousa Ribeiro, op. cit., págs. 245 e 246: “O princípio da proporcionalidade aplica-se à relação bipolar entre a pessoa e o Estado, ao passo que o princípio da igualdade pressupõe sempre uma relação triangular, uma relação horizontal entre pessoa e destas com o Estado. Ademais, o princípio da proporcionalidade tem o seu campo de incidência limitado às intromissões restritivas na esfera de um direito ao passo que a proibição de discriminação abrange a exclusão de benefícios ainda que estes não correspondam a um tratamento juridicamente imposto.” 

14 Joaquim de Sousa Ribeiro, op. cit., pág. 247. 

15 Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 188/2009: “É necessário começar por dizer que a mera sucessão no tempo de leis relativas a direitos sociais não afeta, por si, o princípio da igualdade. Apesar de uma alteração legislativa poder operar uma modificação do tratamento normativo em relação a uma mesma categoria de situações, implicando que realidades substancialmente iguais passem a ter soluções diferentes, isso não significa que essa divergência seja incompatível com a Constituição, visto que ela é determinada, à partida, por razões de política legislativa que justificam a definição de um novo regime legal. Por outro lado, os termos em que a nova lei adapta o respetivo regime jurídico a situações já existentes no momento da sua entrada em vigor apenas pode brigar com o princípio da igualdade se vier a estabelecer tratamento desigual para situações iguais e sincrónicas, o que quer dizer que o princípio da igualdade não opera diacronicamente (Acórdãos n.os 34/86, 43/88 e 309/93, […], e, em matéria de sucessão de regimes legais de pensões, os Acórdãos n.os 563/96, 467/03, 99/04 e 222/08). […] Isso não significa que a igualdade não tenha qualquer proteção diacrónica. O que sucede é que essa proteção apenas pode ser realizada através do princípio da proteção da confiança associado às exigências da proporcionalidade (neste sentido, também, Reis Novais, O Tribunal Constitucional e os Direitos Sociais – o Direito à Segurança Social, in Jurisprudência Constitucional n.º 6, pág. 10). 

16 Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2004, págs. 408 e 409. 

17 Joaquim de Sousa Ribeiro, op. cit., pág. 243. 

18 A este respeito, embora num contexto diferente mas com ressonância no caso concreto, refere-se o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 575/2014: 

O que significa que pensionistas de qualquer dos sistemas públicos (CGA e regime geral da segurança social) estão em situação mais desfavorável, no que se refere ao cálculo da pensão, em relação a outros que tenham tido idêntica carreira contributiva com base em idêntica remuneração de referência, apenas porque preencheram as condições de reforma ou aposentação em momento ulterior à entrada em vigor das reformas do sistema de pensões que entretanto foram implementadas, ou simplesmente porque optaram por manter a relação laboral – ainda que já dispusessem dos requisitos para a passagem à reforma ou aposentação – até a um momento e que já se encontravam em vigor esses novos regimes legais.

Neste condicionalismo, uma tal medida não pode deixar de suscitar sérias dificuldades no plano da igualdade e equidade interna e da justiça intrageracional.

Afigura-se que não tem aqui aplicação a ideia – já expressa pelo Tribunal Constitucional em diversas ocasiões – segundo a qual a alteração legislativa resultante da mera sucessão das leis no tempo (ainda que relativa a direitos sociais) não afeta, por si, o princípio da igualdade, o que só poderia verificar-se se a nova lei vier a estabelecer tratamento desigual para situações iguais e sincrónicas (veja-se o acórdão n.º 188/2009 e a jurisprudência nele citada).

Na verdade, embora estejamos perante uma modificação do tratamento normativo em relação a uma mesma categoria de situações mas que é determinada por razões de política legislativa que justificam a definição de um novo regime legal, o certo é que, no presente caso, o legislador pretendeu atingir direitos constituídos ao abrigo da legislação anterior e com o objetivo declarado de realizar o interesse público de sustentabilidade do sistema de segurança social.

Se o legislador cria um novo regime legal que se destina a afetar qualquer situação jurídica que se encontre abrangida pela lei anterior (através da redução definitiva de pensões já atribuídas), não pode deixar de ter em consideração as situações de desigualdade que possam ocorrer no universo dos destinatários da medida. Não pode dizer-se, nessa circunstância, que as diferenças de regimes são decorrentes da normal sucessão de leis. O ponto é que é a nova lei põe em causa o princípio da não retroatividade e passa a aplicar-se a realidades já anteriormente reguladas, que por via do novo regime legal passam a ser marcadas por um tratamento desigual.” 

19 Artigo 2.º (Estado de direito democrático) A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa.”

20 Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 396/2011: “A proteção da confiança traduz a incidência subjetiva da tutela da segurança jurídica, representando ambas, em conceção consolidadamente aceita, uma exigência indeclinável (ainda que não expressamente formulada) de realização do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da CRP).

21 Jorge Reis Novais, Os Princípios Constitucionais Estruturantes da República Portuguesa, Almedina, Coimbra, 2004, pág. 263. 

22 Cfr., entre outros, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 303/90.

23 J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, op. cit., pág. 208.

24 Jorge Reis Novais, op. cit., pág. 261.