Sobre a prescrição de dívidas à Segurança Social

Pedro Rita, CoLABOR

Índice

A. Do regime legal da prescrição

I. Código Civil

II. Leis tributárias

B. Do pagamento da dívida prescrita como renúncia à prescrição

 

A. Do regime legal da prescrição

I. Código Civil

Figura jurídica que merece uma secção própria no Código Civil (CC – arts. 300.º a 327.º), a prescrição define-se, segundo Almeida Costa, como o “instituto por virtude do qual a contraparte pode opor-se ao exercício de um direito, quando este não se verifique durante certo tempo”.1 

É a inatividade do credor ao longo de um determinado período de tempo que faz desaparecer da sua esfera jurídica o direito, desaparecendo em simultâneo o correspetivo dever na esfera do devedor. Neste sentido, a prescrição constitui uma causa de extinção de direitos (e deveres), correspondendo a uma situação em que, de acordo com Mota Pinto, “se quebra a relação de pertinência entre um direito e a pessoa do seu titular”.2 

Distingue-se da caducidade, outra figura relacionada com o não exercício de um direito durante um determinado período de tempo, por, nesta, estar em causa um prazo para o exercício do direito, enquanto que, na prescrição, não se fixam prazos para o direito ser exercido mas antes prazos a partir dos quais o devedor se pode opor ao exercício do direito.3 

A prescrição, conforme se estabelece nos arts. 318.º a 327.º do CC, é suscetível de suspensão e interrupção, sublinhando-se as diferenças no que toca aos respetivos efeitos. Na suspensão, a prescrição não corre enquanto aquela não cessar, mas, logo que cesse a respetiva causa, volta a correr, somando-se o tempo posterior ao tempo que decorreu antes da suspensão. De outro modo, na interrupção, e como regra geral, todo o tempo decorrido acaba inutilizado com o evento interruptivo, iniciando-se depois uma nova contagem do prazo de prescrição a partir desse evento. 

Não será assim, porém, em certos casos, como prevê o art. 327.º, n.º 1, do CC, que, regulando as situações em que a interrupção resulta de citação, notificação ou ato equiparado, ou de compromisso arbitral, estabelece que o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao respetivo processo.4 Nestas hipóteses, verifica-se uma combinação de um efeito interruptivo do prazo prescricional com um efeito suspensivo sobre o recomeço desse mesmo prazo, depois de verificado o facto interruptivo. 

Ainda sobre o regime geral da prescrição e no que interessa ao presente texto, vale a pena, por último, referir o n.º 2 do art. 304.º do CC, que estabelece que não será “repetida a prestação realizada espontaneamente em cumprimento de uma obrigação prescrita, ainda quando feita com ignorância da prescrição; este regime é aplicável a quaisquer formas de satisfação do direito prescrito, bem como ao seu reconhecimento ou à prestação de garantias. 

 

II. Leis tributárias

Particularizando a análise da prescrição no caso das obrigações contributivas, refere-se, desde logo, que estas se caracterizam como prestações pecuniárias, de caráter obrigatório e definitivo, apurando-se o seu valor pela aplicação da taxa contributiva à remuneração de referência. 

O regime destas obrigações encontra-se primacialmente previsto no Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social (CRCSPSS), aprovado pela Lei n.º 110/2009 (16/9), que fixa um prazo para o pagamento voluntário, constituindo-se o devedor em dívida se a contribuição devida não for entregue no tempo previsto, com imediata contagem de juros sobre o montante de capital em falta. 

No que respeita à prescrição, o n.º 1 do art. 187.º do CRCSPSS prevê um prazo prescricional de cinco anos para as dívidas decorrentes do não pagamento das contribuições à Segurança Social, cuja contagem se inicia a partir do final da data limite para o cumprimento da obrigação contributiva. 

O n.º 2 do mesmo preceito refere-se à hipótese de interrupção da prescrição e estipula que “o prazo de prescrição interrompe-se pela ocorrência de qualquer diligência administrativa realizada, da qual tenha sido dado conhecimento ao responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida e pela apresentação de requerimento de procedimento extrajudicial de conciliação”. 

Não têm, portanto, o efeito de interromper a prescrição “todas as diligências que, mesmo que realizadas pela Entidade Administrativa, não são praticadas dentro daquele circunstancialismo procedimental e processual, fora das suas vestes de Autoridade e/ou da qualidade de Exequente e/ou que não sejam diretamente conducentes à liquidação ou cobrança do crédito”.5 

Já no que toca à suspensão da prescrição, o legislador estabeleceu no n.º 3 do art. 187.º do CRCSPSS que “o prazo de prescrição suspende-se nos termos previstos no presente Código e na lei geral”, não se detetando qualquer especificidade neste aspeto no regime das obrigações contributivas. 

Note-se, a respeito desta remissão para a lei geral, que se aplica à prescrição de dívidas à Segurança Social, subsidiariamente, e por força do disposto na al. a) do art. 3.º do CRCSPSS, o regime previsto na Lei Geral Tributária (LGT), designadamente o disposto no art. 49.º daquele diploma (“interrupção e suspensão da prescrição”), apenas se recorrendo ao regime geral do CC no caso de insuficiência das leis tributárias, isto é, do CRCSPSS e da LGT. 

Sobre este aspeto, importa dizer que, não obstante tribunais e doutrina entenderem que certas matérias estão plenamente reguladas nas leis tributárias, como acontecerá no que toca ao elenco dos factos a que se atribui efeito suspensivo e interruptivo, não havendo necessidade de aplicação das normas civilistas, o mesmo poderá não acontecer com os efeitos da interrupção do prazo prescricional, considerando-se que, neste âmbito particular, será de ponderar a aplicação de disposições do regime do CC.6

 

B. Do pagamento da dívida prescrita como renúncia à prescrição

Estabelecido o enquadramento legal geral nos pontos anteriores, alude-se neste a uma questão que tem sido fonte de conflito entre os contribuintes e a Segurança Social e que se prende com o entendimento desta entidade de que, uma vez feito o pagamento de uma dívida contributiva que já se encontre prescrita, não será mais possível invocar a prescrição, reclamando a devolução da quantia entregue. 

Trata-se, aqui, das situações em que, não obstante se verificarem os pressupostos da prescrição da dívida, esta não é conhecida nem invocada pelo contribuinte-devedor, que acaba por efetuar o pagamento da quantia devida, perdendo, desse modo e definitivamente, a hipótese de posteriormente invocar a prescrição. 

O entendimento da Segurança Social encontra respaldo na jurisprudência do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, no processo n.º 01622/13, com data de 30/11/2016, onde se pode ler que, “constituindo a prescrição uma causa de extinção da obrigação tributária, ela só pode ser conhecida na impugnação judicial se o tributo liquidado pelo ato impugnado não tiver sido pago, pois, se tiver sido efetuado o pagamento, a obrigação tributária já se extinguiu por esse facto.

A tese do acórdão neste trecho é a de que o contribuinte (o sujeito passivo da obrigação tributária) não poderá invocar a prescrição da dívida se já efetuou o pagamento da contribuição, uma vez que com esse pagamento se extinguiu a obrigação, precludindo o efeito possível da prescrição. Se o efeito da prescrição é extinguir a obrigação e esta já foi extinta pelo pagamento, falta o pressuposto lógico – a obrigação – subjacente à aplicação do instituto da prescrição. 

A posição adotada pelo acórdão citado confere ao ato de pagamento da dívida (prescrita) o caráter de uma renúncia definitiva ao direito de alegar a prescrição dessa dívida,7 uma vez que o contribuinte, pagando a dívida, extingue a obrigação perante a Segurança Social, estando, com esse pagamento, a abdicar do direito a invocar futuramente a prescrição.8 

Dada a importância do sistema de proteção social e respetivo financiamento, em cujo âmbito as contribuições dos trabalhadores e entidades empregadoras assumem um papel relevante, incumbe aos serviços da Segurança Social, na qualidade de credora daquelas prestações, agir de modo a garantir a efetivação do seu pagamento. 

A partir do momento em que o devedor se constitui em dívida, a Segurança Social tem à sua disposição um conjunto de meios administrativos e judiciais que, não só pode, como deve, acionar para obter o pagamento da contribuição em falta, acrescida dos respetivos juros de mora. A possibilidade de recurso a diferentes meios para fazer o devedor cumprir a prestação em dívida mantém-se pelo período correspondente ao prazo prescricional, que está sujeito às suspensões e interrupções previstas na lei. 

Se, porém, apesar desse tempo de oportunidade de cobrança da quantia em dívida, a Segurança Social permite que o prazo de prescrição se complete, pode considerar-se justo – e assim é o entendimento da lei – que o devedor, alegando a prescrição, se possa opor ao exercício do direito da Segurança Social de cobrar o pagamento do crédito em dívida. 

Como a lei considera a prescrição matéria de conhecimento não oficioso, é necessário, para que a autoridade administrativa ou judicial dela conheça, a sua invocação pela parte beneficiada pela prescrição, conforme decorre da conjugação dos arts. 303.º do Código Civil 9 e art. 579.º do Código do Processo Civil.10 

Significa, portanto, que a prescrição, para produzir efeitos, tem de ser invocada – judicial ou extrajudicialmente – pelo devedor, não bastando que o prazo prescricional se tenha esgotado, mas exigindo-se ainda uma atuação por parte do devedor no sentido de fazer operar os seus efeitos. Invocando a prescrição, o devedor opõe-se legitimamente ao exercício do direito por parte da Segurança Social, extinguindo, por essa via, a obrigação contributiva inicial. 

Porém, nem todos os contribuintes estão em situação de igualdade no que toca à sua relação com o direito e o conhecimento jurídico, a que nem todos têm um acesso fácil ou possível, tornando a matéria da prescrição um assunto particularmente sensível, em que situações semelhantes podem ter resoluções diametralmente opostas. 

A apreensão diante deste quadro aumenta quando a prática da Segurança Social é de continuar, mesmo após o decurso do prazo prescricional de uma determinada dívida, a notificar os contribuintes-devedores para efetuarem o pagamento dessa dívida prescrita, não os informando, todavia, acerca do seu direito a invocarem a prescrição para se oporem de forma legítima ao pagamento exigido. 

Note-se que a existência de dívidas perante a Segurança Social, para além de poder desencadear um processo executivo com penhora de bens, tem ainda como consequência a cessação dos benefícios e apoios do sistema de proteção social público. 

Nestes termos, deverá ponderar-se se, no tocante a esta matéria, outra solução jurídica não seria mais adequada a garantir efetivas condições de igualdade e equilíbrio entre os contribuintes e na relação destes com a Segurança Social. 

Desde logo, para mitigar os efeitos da desigualdade de base entre os contribuintes neste âmbito, poder-se-ia estabelecer um dever da Segurança Social de notificar o contribuinte-devedor de que a sua dívida cumpre os requisitos para a prescrição ser invocada, prevendo-se igualmente a impossibilidade de, com base numa dívida prescrita, aquela entidade iniciar diligências para a cobrança dessa dívida ou recusar o acesso a quaisquer prestações sociais. 

Em qualquer caso, sejam quais forem as opções tomadas, importa que se reveja o regime da prescrição de dívidas à Segurança Social tal como vem este sendo aplicado, pondo fim, desse modo, às situações de desigualdade e injustiça a que o mesmo dá azo e que acima se descreveram. 

 


1 Cfr. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 9.ª edição, Coimbra, Almedina, 2003, p. 1045. 

2 Cfr. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra, Coimbra Editora, 1980, pp. 257 e 258. 

3 Cfr. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, 2.ª edição, vol. II, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2010, p. 546.

4 Cfr., entre outros, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, processo n.º 00758/06.3BEPNF, de 16/12/2017. Deste acórdão vale a pena destacar a seguinte passagem e respetivo esclarecimento: “A interrupção da prescrição inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente (n.º 1 do artigo 326.º do Código Civil), não começando a correr novo prazo (n.º 2 do artigo 326.º do Código Civil – igual ao primitivo) enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (n.º 1 do artigo 327.º do Código Civil), salvo em caso de paragem do processo por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte que se tenha completado em data anterior à da entrada em vigor da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro.” 

5 Cfr., entre outros, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 283/13.6BEFUN, de 21/5/2020. 

6 Cfr. Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária – Notas Práticas, 2.ª edição, Lisboa, Áreas Editora, 2010, pp. 52 e seg.

7 A renúncia define-se como o ato voluntário pelo qual uma pessoa perde um direito de que é titular, sem uma concomitante atribuição ou transferência dele para outrem: a renúncia é, pois, um ato abdicativo unilateral do direito” (Ana Prata, Dicionário Jurídico, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 1998, p. 848). 

8 Cabe referir, pelo tom divergente, que o mesmo Supremo Tribunal Administrativo considerou, embora por referência a obrigações fiscais, que o pagamento da respetiva dívida não constitui uma renúncia à impugnação (no caso concreto, uma oposição à execução fiscal que pode ter como fundamento a prescrição da dívida original), não precludindo o direito de se invocar a prescrição (acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 18/11/2020, processo n.º 0730/13.7BELRA): “Perante a concessão de bónus, no pagamento da dívida exequenda ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 151-A/2013 de 31 de outubro, os oponentes, razoavelmente, pagaram com o fito, desde logo, na respetiva usufruição, pelo que, o pagamento efetuado se enquadra na previsão do art. 9.º n.º 3 da LGT, destacadamente, não precludiu o seu direito de oposição à respetiva execução fiscal, na qual, como lhes facultava o art. 204.º n.º 1 alínea (al.) d) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), podiam, entre outros, aduzir como fundamento a prescrição da dívida exequenda.” Nesta decisão, não vingou a tese do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30/11/2016 de que a prescrição não pode ser invocada contra uma obrigação que já foi cumprida e, por isso, se extinguiu. 

9 Art. 303.º do Código Civil (Invocação da prescrição): “O tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público. 

10 Art. 579.º do Código do Processo Civil (Conhecimento de exceções perentórias): “O tribunal conhece oficiosamente das exceções perentórias cuja invocação a lei não torne dependente da vontade do interessado.